Continuação da análise ao que de melhor vi no ano que passou. Tal como todas as boas listas é desonesta, parcial e incompleta, um trabalho em progresso. Ou porque me esqueci de alguns ou porque ainda não os vi todos. O tempo lhe fará justiça.
Author: pedro (Page 7 of 39)
Agregar filmes em listas é uma maneira rápida de falar do que fomos esquecendo ao longo do ano. Já fui mais apologista das listas e dos tops, mas também já fui menos. Vou dar início a um série de artigos em que abordo o que se passou em 2014, nomeadamente na área do cinema. Fora o cinema as coisas não correram mal, nasceu o meu terceiro filho e aprendi a amar o caos do dia a dia, a doce carnificina dos extintos tempos livre e a aceitar que por vezes é normal chegar ao trabalho com uma mancha de 10cm de vómito de bebé nas costas. Uma das vantagens de ter pouco tempo livre é que o apreciamos mais e aqueles valiosos 90/120 minutos que nos restam ao final do dia, já a roubar sono madrugada adentro, terão que ser gastos em algo que valha a pena. Falemos em 2014 com uma taxa de erro de um ano. As datas de lançamento são sempre caóticas por causa dos festivais, das estratégias comerciais das produtoras e outros factores nos quais cagamos de alto. Este foram os meus filmes de 2014.
Tenho algumas (poucas) regras que sigo no que diz respeito a escrever posts no blog. Uma delas é tentar escrever textos que possam ser lidos sem ser necessário contextualizá-los temporalmente. No entanto hoje vou ter que quebrar essa regra. Hoje, dia 7 de Janeiro de 2015 aconteceram dois negros eventos relacionadas entre si que vou analisar separadamente. Um ataque a uma redação de um jornal humorístico francês provocou 12 mortes, a maior parte jornalistas e cartoonistas. Foram assassinados por pessoas que, zangadas com o mundo, julgaram ver nestes artistas a causa de todos os males da humanidade, interpretaram linearmente as suas subjectividades artísticas e as figuras de estilo caricaturais. Acharam ser o humor a pior das malevolências. Dentro das suas limitadas mentes de cepos unidimensionais terão pensado fazer o seu mundo melhor com a execução sumária destes artistas, jornalistas, cidadãos, pais de família, filhos de alguém… No seguimento desse ataque deu-se o segundo evento que marcará para sempre este dia. Um polícia imobilizado pelos disparos deste ataque jaz ferido e levanta as mãos a pedir clemência, claramente debilitado. Quase em directo, em milhares de canais de TV do mundo inteiro, um elemento das forças que ajudam a manter ordem neste mundo é chacinado com um tiro na cabeça. Sem drama, como se o atirador estivesse a fazer saltitar pedrinhas na superfície de um idílico lago nas montanhas dos Alpes Suíços, como se de uma entediante tarefa rotineira se tratasse. Ali, sob o olhar incrédulo dos cidadãos do mundo, uns a almoçar, outros a jantar, outros ainda na azáfama matinal de preparar as crianças para a escola, a mais fria crueldade colocou fim a uma vida humana. A maior violência que já vi. Não o acto em si, não a execução, não a barbárie associada a todo o conjunto. Todos nós vemos diariamente decapitações, centenas de pessoas alinhadas vivas em valas comuns para serem calmamente executadas por patifes imberbes que parecem aborrecidos por lhes terem interrompido o Grand Theft Auto V quase no último nível. O facto de ter sido apresentado naturalmente, sem grande alarido. “Imagens chocantes“, ouvimos todos os dias e estamos habituados a que seja um isco de audiência. “Ah, é verdade, agora aqui nesta cena um polícia apanha um tiro na cabeça. É melhor tapar os olhos às criancinhas.” A frieza dos média não ajudou a melhorar o dia. Senti o cérebro gelar e fiquei com aquele feedback surdo que costumamos trazer da discoteca às 7 da manhã ou dos concertos de Manowar. “Filhos da puta”, dizia um amigo no facebook. E com toda a razão.
A partir de agora os estados irão unir-se, fazer taskforces, thinktanks, jointventures, regras que irão prejudicar pessoas que não têm relacionamento com isto, uma mini-americanização da Europa, escutados todos os telefonemas, lidas todas as mensagens, escrutinado todo o tráfego internet das famílias que pouco mais que email e preencher o IRS fazem. Um investimento brutal no upgrade do já de si Big Brother. Eu nem me importo de abdicar de algumas liberdades para que os meus filhos, a minha família, os meus amigos, as pessoas que nem sequer conheço mas que decerto merecem tanto como os que amo, tenham segurança. Só que temo o pior. Certamente que um dia a poeira irá baixar e a máquina que tudo cheira nunca cessará de funcionar. Este ano procura terroristas, para o próximo escuta esposas infiéis e ministros corruptos e pouco faltará para que as multinacionais manipulem os poderes para multar e prender os miúdos de 16 anos que usam torrents ou que sacam discos dos Coldplay sem pagar o preço pornográfico que lhes pedem. Espero que não seja este o nosso futuro, que o medo não sirva para nos impor um regime Orwelliano ou o fundamentalismo moral das multinacionais disfarçadas de estado.
Há filmes que nos apanham de surpresa e outros há que se fazem anteceder por uma comitiva de arautos que nos vêm massajar o sistema límbico, dando garantias de qualidade antecipada, o famoso hype. Gone Girl é um desses exemplos de filme que se fez sonoramente anunciar. Porque é realizado por um ilustre, porque tem o Ben Affleck (a humedecer vulva na faixa etária entre os 30 e 55 anos) e baseado num best seller de prestígio. Talvez o prestígio do livro até tenha sido criado pela existência do próprio filme. É um caso típico de masturbação circular, criação de rentáveis produtos paralelos a partir do nada. E com “nada” quero na realidade dizer 200 milhões de dólares em marketing, trafulhice subliminar, bullying legal e velhacaria em geral. Não sendo minha função emitir juízos de valor, que faço ainda assim, vamos aqui filosofar acerca de Gone Girl e perceber se estamos perante obra digna de futura herança cultura dos anos 10 do século XXI ou se é apenas mais um pomposo balde dourado de caca de vaca.
Quem gosta do cinema até ao seu âmago cedo percebe que nem todas as pessoas servem como co-piloto em navegação cinéfila. Não há problema, bons amigos não precisam de partilhar hobbies. Com o tempo aprendemos a equilibrar a nossa paixão. Guardamos alguns filmes mais mainstream para ver com os amigos, gostamos ou fingimos gostar para não levantar problemas ou achincalhamos gratuitamente além do limite do razoável. Tudo isto é a vida, tudo isto é saudável e a saúde social da nossa existência assim o exige. O problema mais complexo, porém, jaz latente e mortífero entre as paredes da nosso próprio lar. Qual gatilho capaz de aniquilar uma relação ou terminar sumariamente as perspectivas de actividade sexual no curto prazo. Falo, obviamente, dos filmes a ver com a esposa / namorada / amante / estudante de enfermagem que não acha estranho que não queiramos ser vistos em público com ela. Causa frequente de envenenamento conjugal, escolher um filme para ver a dois na intimidade do lar é uma dolorosa empreitada que não pode ser evitada nem adiada. Cada opção pode revelar-se um mortífero campo de letais areias movediças. E todos estamos fartos de ver filmes da Cameron Diaz em cuecas, a ser galdéria a saltitar e a dançar com aquele rasgado sorriso numa boca capaz de albergar em simultâneo dois generosos e saudáveis narços em avançado estado de intumescencia, Mas isto é mesmo assim. Lá no trabalho somos uns heróis, arrasamos nas reuniões, ordenamos obras de milhões, lideramos equipas de indomáveis patifes, domamos leões, caçamos crocodilos, marcamos golos pela selecção ou cortamos eucaliptos com uma simples machadada, mas em casa “lavas a loiça e não pias!”. Assim, ocasionalmente, há que consumir um filme de gaja pela salubridade conjugal e servirá este texto como guia de sobrevivência, porque às vezes mais vale um gajo atirar-se para baixo do comboio do que aturar um mulher furiosa durante uns dias.
Escrever sobre cinema é uma tarefa muito ingrata e muito perigosa nos dias que correm, acaso ocorra que o escriba sofra de susceptibilidades emocionais ou de alguma classe de bipolaridade que o possa fazer deslizar para o frio vazio da amargura sentimental. Quer-se malta rija, capaz de aguentar os rigores da paneleiragem que vê filmes de smartphone em riste e no final emitem um boçal “Caganda seca” ou o eterno clássico “achei o filme parado”. No entanto, atirar opiniões ao vento acerca de cinefilia não é exclusivo do auto-entitulado crítico de cinema. A paneleiragem com smartphone em riste a ler facebook e a ver filmes também tem direito a opinar. Arriscaria que é tão grave sub-avaliar um filme de smartphone em riste como sobre-avaliar o mesmo filme com camadas de simbologia inexistente e metafísica orwelliana. É uma era chata para o cinema. Os que agora chegaram à maturidade da vida adulta enfrentam esta coisa dos filmes de maneiras diametralmente opostas. Ou vêm pela porrada, os efeitos espectaculares, as cenas de carros, a foda e as explosões-“Ai ó méne ca fixe” ou querem ser aos 22 anos especialistas de todas as áreas da cinefilia em simultâneo, devorando camiões de sugestões de listas de clássicos e assimilando opiniões por simbiose. Serve este sintético parágrafo introdutório, sempre sucinto e conciso, para dizer que tem vindo a faltar à malta do cinema aquele descontraído cinéfilo que se diverte a ver o que gosta, que não se assusta com o que lhe falta ver e que vai involuntariamente criando uma especialização muito própria. Tem vindo a faltar também algum sentido de humor, mas aparentemente hoje em dia chama-se “palhaçada” a essa arte em desuso.
Com a actual globalização e monopólio de 2 ou 3 estúdios americanos há um deficit de cinema arrojado no mundo. Não nego a sua existência. Reforço, no entanto, a ideia de que a sua distribuição é bloqueada por aqueles que gerem o processo de ponta a ponta, atafulhando por completo os multiplexes de filmes plastificados genéricos de simplória qualidade cinéfila. Tempos houve em que os estúdios arriscavam os chamados “alienígenas escaganifobéticos” na esperança de que o gáudio de um nicho pudesse contagiar outros consumidores e , quiçá, futuros apoiantes deste tipo de produções. Eram generosamente lançados nos canais de distribuição disponíveis na altura. E havia escolha. Uma multiplicidade de opções que, mesmo o mais monodimensional cepo consumia. Ora, nesta excelsa classe do “alienígena escaganifobético” cai Hell Comes to Frogtown, cujo epíteto encaixa que nem uma luva. Vamos falar um pouco da história do último homem fértil do planeta cujos lideres, sapientes como sempre, lhe ataram uma bomba na gaita para que não pudesse ter comportamentos imorais. A sua função seria copular até ficar com o salpicão em carne viva e não perder tempo a embebedar-se ou a fumar. Haja decoro.
Na segunda metade da década de 70 William Friedkin era um realizador com Hollywood no bolso. Estava numa posição de poder escolher qualquer projecto que os meios ser-lhe-iam servidos em bandejas douradas. Podia telefonar às 4 da manhã a pedir um cheeseburger com espectáculo de anãs lésbicas amputadas cuspidoras de fogo ou exigir um sacrifício infantil em massa por imolação em triturador de carne. Sem problemas, tudo na graça do senhor. Ora o projecto que optou por realizar foi Sorcerer, a adaptação do livro Le salaire de la peur de Georges Arnaud. Poderia neste momento encabeçar todas as listas de melhores filmes, ter um estatuto de The Godfather, Taxi Driver ou Clockwork Orange mas uma improvável sucessão de infortúnios deu-lhe a extrema unção e posterior despejo nas areias movediças do esquecimento Hollywoodiano.
Há algum tempo atrás estava num fórum de cinéfilos duros, malta insensível às formulas gastas do mainstream, e numa thread de novidades perguntei que tal era o novo filme do Tom Cruise. penso que na altura era o Jack Reacher. Esperava eu um tom jocoso e brutalmente cruel para com a vida e obra deste excelso cientólogo quando um dos históricos me responde assim: “Há algum filme do Tom Cruise que seja mau?”. Ora isto meteu-me a pensar na vida, no universo e, na verdade, em toda a existência. Um movimento gasto, inconstante e empoeirado de velhas rodas dentadas deu-se na zona encefálica desta velha carcaça e começou um exercício de pesada ponderação que viria a durar dias.
Tal como todas as minhas crónicas, também esta se rege pela exactidão e o rigor histórico. Não existe nela a mais pálida centelha de intrujice nem falácias de retórica. Comecemos. Corria o ano de 2654 e um jovem abastado das grandes famílias de Hwange, herdeiro das mais proveitosas minas de Neodymium, Herbium e Lanctanyum nos cintos de asteroides dos planetas gémeos gigantes de Gliese (81a e 81b) olhava pela janela contemplando o nada, aquele ponto intermédio de quando estamos a divagar na nossa natural letargia matinal. Arregalou rapidamente os olhos e levantou-se. Pegou na mochila com módulo para viajar no tempo e no capacete BrainSynchro, acessório obrigatório, e correu pela casa à procura das portos de exaustão espaço-temporais. Não os usava com frequência e confundia-se sempre. Estava decidido a viajar para o ano de 2014 e assistir à estreia de um dos seus guilty pleasures favoritos, Guardians of the Galaxy. É um dos poucos filmes que ainda existem comercialmente daquela época em que um país, Estados Unidos da América, liderou temporariamente as tendências mundiais do cinema. Agora é um local estéril ainda sob um manto denso de inverno nuclear onde nem as amibas conseguem viver. Mas qual o país do hemisfério norte que não está assim, não é? O rapaz (chamemos-lhe rapaz) tinha este filme em HD, UHD, 3D, Imerton2032, Holodeck Vision, HipnoTech, SuperIncrivelHD (3D e cheiro) e PornoSpoofEnablerUHD. Ainda assim quis voltar ao tempo em que as pessoas o viram pela primeira vez. Carregou no botão que sincroniza as ondas cerebrais com o módulo de viagem no espaço-tempo e desapareceu. Ter-se-à esquecido de um frango churrasco liofilizado com migas que a sua mãe lhe havia preparado. A comida do séc. XXI é tão tóxica todos os viajantes voltam sempre de lá para passar uma semana submergido numa piscina estaminal reconstrutora, como aquela onde metiam o Vegeta quando apanhava no focinho. Excepto a comida chinesa à base de carne de cão, uma delícia e ainda por cima saudável.
A história que vos vou contar pauta-se pela verdade, daí haver um ou outro pormenor mundano que vos possa enfadar. A realidade é assim, sem efeitos especiais nem jumpcuts. Eram 5 da tarde e deslocava-me no Metro Mondego em direção à estação dos Hospitais da Universidade de Coimbra, aquela com ligação ao TGV e os 5 parques subterrâneos climatizados a Hélio 21 Oxidoplasmático. Um roliço trintão de chapéu de feltro (vulgo Fedora) falava de cinema a duas caloiras de Enfermagem cujos seios pareciam tentar escapar por cima a uma indumentária 2 números abaixo, tops de licra apertados capazes de provocar paralisia respiratória a um possante equídeo. O rapaz concluía o seu raciocínio “… e esse senhor é o Tim Burton!”. As raparigas jaziam deslumbradas e a mais loura disse “Adoro o Tim Burton, Alice no país das maravilhas é um dos meus filmes de infância preferidos.” O rapaz do Fedora sorriu complacentemente e retorquiu em modo guru. “Não miúda, não é esse filme que estou a falar, é outro, um clássico, dos primeiros da sua carreira. O Planeta dos Macacos.” Arregalei os olhos acima do meu escalpe e pensei “Caralhos te fodam, atrasado do caralho. Pregar-te os colhões à linha do comboio era pouco”. Virei o olhar para a janela no momento exacto que passávamos pelo glorioso túnel de Celas adornado com a arte retroiluminada de Garth Ennis. Enquanto me sentia superior cheguei à triste conclusão que há realizadores que gosto mas conheço pouco da sua fase inicial da carreira, como o Abel Ferrara (por exemplo). Não me deixei, porém, abater por esse excesso de realidade e voltei às minhas fantasias de superioridade moral, essa sensação que os mantém afastados do suicídio. O desdém para com aquele miserável ajudou a equilibrar as minhas directrizes de vida e a elaborar um rápido top 5 de Abel Ferrara da fase que melhor conheço.
Há uns meses comecei a ver Into The Void de Gaspar Noé. Não sendo muito acessível é, sem dúvida, um grande realizador. O filme estava-se a compor, boa introdução e buildup, muito bonito, muito bem realizado. Etéreo, colorido, modernaço. Planos gloriosos, cenas compostinhas, representação cinema 2.0 com o típico toque de hiper-realidade, abundância de belas mamas, coisas que enriquecem sempre a experiência cinematográfica. Ora, rapidamente este filme resvala para a mais deprimente miséria infligida a duas crianças num flashback se torna a coluna vertebral de todo o filme. Não é um mero momento de passagem, o Noé usa-o como cavalo de batalha, espanca-nos com o conceito. Quis o acaso do momento que esse casalito de irmãos que sofre as mais nefastas bofetadas do destino tivesse a mesma idade dos meus dois filhos mais velhos. “Foda-se, não aguento esta merda!”, pensei. “Que peso aterrador, difícil de respirar…”. Imediatamente carreguei no STOP, só que estas coisas não desaparecem assim. Até a minha mulher me perguntou que cara de carneiro mal morto era aquela e eu respondi prontamente “Nada, continuo viril com um talhante prussiano.” Durante dias aquelas visões atormentaram-me. Olhava para os miúdos a brincar e pensava nas pobres crianças do filme. Acabou por desaparecer com o tempo mas o certo é que há filme difíceis de ver quando temos filhos. Filhos que sabemos existir e que amamos. Não me estou a referir a bastardos que ficaram no ultramar ou daquela galdéria a quem demos 80 contos em 1986 para ela ir fazer um aborto e ela guardou o dinheiro para comprar uma televisão a cores, teve o puto e apareceu 18 anos depois a pedir dinheiro para a faculdade quando o puto afinal até era repositor de stocks no Minipreço e nunca tinha passado da terceira classe.
Num episódio de Parker Lewis Can’t Loose no início dos anos 90, Mike (o roqueiro musculado de inteligência limitada) perguntava horrorizado a Parker Lewis “Documentário? O que raio é um documentário?”. Parker, com a sua paciência descontraída e a infinita amizade por Mike respondeu “Bem Mike, um documentário é um rockumentário, mas sem rock.” Mike, afável bonacheirão, encolhe os ombros e eleva ligeiramente as sobrancelhas num esgar de compreensão. É de rockumentários que vamos falar hoje, mais precisamente do rockumentário de todos os rockumentários, ainda que em versão mocumentário, o lendário “This is Spinal Tap”que retrata a dura realidade da maior banda ficcionada de todos os tempos.
Lembro-me perfeitamente do medo dos russos, dos seus misseis, da sua radiação, da sua eminente invasão. A paranóia era tal que as pessoas criavam cenários pós apocalípticos tão aterradores que os levavam a esgotar os mantimentos nos supermercados e a fazer caves anti-bomba por baixo das suas casas. Os jornalistas gritavam histéricos como apresentadores do telejornal da Coreia do Norte e alguns até molhavam as calcinhas apavorados com receio da aniquilação global. E isto em pleno 2014, quando anexaram a Crimeia, imaginem agora como era no tempo da guerra fria em meados dos anos 80, aquela fase que presenciei. O certo é que a visão que tínhamos dos soviéticos era a que nos fornecia o cinema americano, distorcido até ao absurdo pela máquina propagandística da liberdade e democracia, nem que seja infligida à bofetada. Vamos hoje falar de alguns hits da altura e do seu impacto na minha impressionável mente.

Nos dias que correm as pessoas não têm tempo a perder, querem a rotina automatizada e despachada antes das 20h para poderem passar o resto da noite a ver a SIC. Ora, a pensar neste flagelo que assola a nossa sociedade, vou testar hoje o conceito do walkthrough para filmes. O walkthrough, em videojogos, é o termo usado para o guia que permite ao jogador mais impaciente avançar pelos níveis sem delongas. Em cinema pode ser igualmente útil. Porquê perder imenso tempo com os actores a matracar infindáveis bláblás quando alguém o pode fazer por nós, como uma mamã águia que mastiga os alimentos antes de os regurgitar carinhosamente na boca dos seus filhote? Interessa mesmo perceber a simbologia implícita, os segredos da composição e do grafismo, a crítica social, a arte que centenas de profissionais dedicam para que os possamos insultar quando pirateamos os seus filmes da Net? Vamos então começar por um clássico dos videoclubes dos anos 80, The New Barbarians ou Heroes of the Wasteland, que em Portugal foi abençoado com o original título “Os Implacáveis Exterminadores”. A minha descrição será acompanhada por videos em Webm, um prodígio do novo HTML5.
A moda cinematográfica do momento é a Bíblia. A Bíblia em 3D. A Bíblia em 3D com imenso CGI. E jovens semi-nuas, só para não alienar o público ateu, agnóstico, stoners, pedófilos, sodomitas e membros do clero em geral. O fabuloso “The Fist of Jesus”, filme já abordado por mim e por outros apóstolos em conversa casual de facebook, aproveita a onda e inicia um crowdfunding para tentar extender esta obra para um patamar de reconhecimento global em versão longa metragem sob o nome de “Once Upon a Time in Jerusalem”. Mas afinal que de que trata esta heresia do “Fist of Jesus”?
Andei às voltas com os papelitos na minha carteira e decidi compilar num artigo um manual que possa fazer qualquer azeiteiro do tunning num especialista em Sylvester Stallone, porque os mais velhos se estão a reformar e não há especialistas suficientes para os substituir. Ora aqui fica então um “10 coisas que provavelmente até sabias sobre Stallone mas nunca te debruçaste muito sobre o assunto.” Com extras.
Ontem foi dia do Pai e eu tive o privilégio de almoçar com o meu. Um almoço normal sem sentimentalismos sazonais. Não foi marcado pela solenidade do dia, foi fruto das tropelias do destino. Falámos de futebol (em termos leigos para eu perceber), de saúde, de cinema e das séries que ele agora vê. Falámos dos netos, da família, dos cães, dos gatos, do preço do frango ser exorbitantemente baixo ao ponto de se dever desconfiar da qualidade para consumo público, dos morangos que plantou só porque os netos gostam de os apanhar e comer “au naturel”. Já não moro com ele há quase 20 anos, não estou longe, mas é cada vez mais complicado apanhar assim um momento. Já não é o mesmo tipo de pai que era nos anos 80, é agora um orgulhoso avô. O meu pai nunca deixou a família para passar a noite com os amigos, nunca se negou a ler-me legendas de filmes completos antes de eu saber ler, contra a vontade da minha mãe atrasou-me várias vezes a hora de deitar para que pudesse ver o The Incredible Shrinking Man, o King Kong ou o Tarantula de 1955. O meu pai ofereceu-me uma metralhadora de aspecto realista que era a inveja dos putos todos da rua. Levava-me ao cinema itinerante lá do lugarejo todos os domingos, religiosamente. “Olha que ele é novo demais”, dizia a minha mãe. “Não lhe há-de fazer mal nenhum!”, respondia ele sem nenhum pedo-psicólogo a infernizar as ondas hertzianas para o contrariar. Acompanhava-me e aos meus amigos nas futeboladas e deixava-me marcar-lhe golos quando estava à baliza. Foi o meu primeiro grande amigo, o original Bro. Ainda o é, mesmo com as azáfama das nossas vidas. Não somos lamechas nem falamos de paneleirices. Só coisas de homem. Ferramentas, técnicas recentes que vieram revolucionar a tradicional matança do porco e da noite de natal em que nos baldámos à missa do galo para ver o Predator 2. Vê-lo a ser assim com os meus filhos faz-me parar o tempo mentalmente para apreciar aqueles momentos. Mesmo que tenha que disfarçar a emoção quando a minha mulher me pergunta porque estou ali parado a olhar para ontem se há ainda tanta louça para por na máquina. Tem as melhores ferramentas e aparece sempre que há alguma tarefa mais bricolática para fazer, mesmo sem eu pedir.
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