A semana passada dei boleia ao Álvaro da contabilidade. A viagem era curta, mas o infeliz acontecimento de um camião se ter despistado no meio da ponte que preciso de atravessar para chegar a casa, quando me encontrava já num ponto de não retorno, obrigou-me a enveredar pela eventualidade mais horrenda com que um ser humano se pode deparar: a conversa de circunstância. Olhei pela janela do meu lado enquanto o Álvaro olhava pela janela dele com sintomas de um ataque de pânico. Eu abomino a maior parte do contacto social, mas o Álvaro é de outra divisão. É um tipo que tem ataques de pânico frequentes por ansiedade social. Perguntei-lhe se gostava de cinema. Olhou para mim todo sorridente, suado e com aspecto ligeiramente paliativo e disse-me que sim. Disse que ia ver o Super-Homem porque era um filme espectacular. Eu perguntei-lhe porque raio acharia ele espectacular um filme que ainda não tinha visto? “Às tantas vais ver e depois é uma desilusão, Álvaro. Isto de uma pessoa criar expectativas é mau para tudo na vida, desde o sexo ao cinema.” Disse eu tentando legar alguma sapiência ao frágil Álvaro. Bom, deviam ver como o rapaz ficou. Começou a hiperventilar e só não morri ali com o crânio esmagado porque o Álvaro é um franganito incapaz de carregar mais que uma resma de papel de cada vez. Olhou para mim com as labaredas do inferno inflamadas nas retinas e disse-me que era espectacular porque tinha visto o trailer, e que os efeitos especiais eram os mais caros de sempre, e que o Nolan também tinha realizado (sic) e até já tinha visto online umas críticas e diziam que era o melhor filme de super-heróis de sempre. Para quebrar o gelo ainda lhe perguntei o que ele achava do facto de lhe terem tirado as cuecas vermelhas do lado de fora e o terem obrigado a manter a sua roupa interior no seu devido lugar. Não me respondeu. Pegou no telemóvel e começou a jogar Snake II.
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Todos estamos habituados a larguras de banda supersónicas, serviços web 2.0 que vieram tornar obsoleta a necessidade de saber ler mais de 140 caracteres de cada vez e interfaces gráficos tão pesados que nos obrigam constantemente a renovar o parque informático para fazer exactamente o que fazíamos há 20 anos atrás. Aceder a filmes no seu formato “não legal” é tão natural como respirar e mesmo aquele amigo que abusa da expressão “o computador está a pensar” e faz “remover hardware com segurança” para não apanhar vírus sabe como sacar uma cópia de boa qualidade do último blockbuster que foi lançado em DVD. Mas tempos houve em que não era assim, tempos antes dos blogs e das redes sociais, tempos antes mesmo dos sites dinâmicos em que o gif animado servia para colocar um símbolo “under construction” a rodar todas as cores do espectro em páginas adormecidas. O acesso a pirataria fazia-se pelos servidores de newsgroups (usenet) da Telepac.
Faz no próximo dia 24 de Junho 10 anos que escrevi a minha primeira review de um filme sob o nome Cinemaxunga. A origem é simples e linear, sem subjectividades filosóficas ou dilemas existenciais. Estava na minha casinha de solteiro deitado a ver um filme às 4 da manhã quando me virei para os meus colegas de apartamento e disse duas coisas: “Tenho que me levantar às sete e meia para ir trabalhar e ainda aqui estou” e “Este filme é tão horrível, não acham? Estão a borrifar-se? Ai é? A Internet há-de saber disto, amanhã começo um blog e eles vão temer a minha ira, irão querer dar-me milhões para que me cale, irão ameaçar-me de morte com medo da minha voz revolucionária, irão… zzzzz” e voltei a adormecer. E, de facto, no dia seguinte criei mesmo um blog, o que vem provar que aquelas substâncias de que falam tão mal não são prejudiciais como os média mainstream, os governos neo-liberais ou os deuses do povo escaravelho que controla secretamente o planeta nos fazem acreditar. Não era o meu primeiro blog, era apenas mais uma tentativa de escrita numa interminável série de falhanços totais. Ignorei a imensa lista de afazeres que tinha pela frente no meu trabalho e comecei a escrever. Destilei um pouquinho de ódio e o efeito não foi tão poderoso como imaginei nas minhas fantasias de Spider Jerusalem. Publiquei e fui à minha vida.
Esta pretende ser uma primeira abordagem a um velho tema do universo da critica cinematográfica, que é uma segunda avaliação a um filme e um resultado completamente diferente da primeira. Todos já passámos por situações similares. Um filme que foi bom (ou mau) e que a uma segunda visualização, depois de um considerável período de tempo, afinal teve impacto completamente diferente. Os factores são vários, conhecidos e comuns. A companhia, o estado emocional ou hormonal, influencias psicotrópicas e índice de embriaguez, o peso do hype ou o amour (toujours l’amour). São influências temporárias que nos toldam o juízo e nos fazem, afinal, humanos.
“Esperei 13 semanas para conseguir alugar o primeiro Terminator, paguei uma multa avultada porque tive medo de entregar o Exorcista de noite, ouvi ralhetes humilhantes porque não rebobinei, estive 3 horas na fila para conseguir bilhete para a estreia de Back to the Future 2, esperei para ver a estreia nacional do Phantom Menace em Outubro de 1999 apesar de o ter no meu disco rígido desde Maio, ri e chorei, amei, apalpei, perdi metades inteiras de filmes com a língua a dançar na boca da minha acompanhante. Presenciei coisas que ninguém acreditaria. Um projector que pegou fogo a meio do Blair Witch Project, uma velha que colapsou no Schindler’s List, duas primas que nunca tinham ido ao cinema a chorar os 127 minutos inteiros de Passion of the Christ porque nunca duvidaram da veracidade da escrituras sagradas. Todas estas experiências se perderão um dia, como lágrimas na chuva. É altura para falar da importância dos clássicos.”
Era uma tórrida tarde de domingo, num dos verões mais quentes que há memória. Tobe Hooper, de olhar pasmo e inquiridor, contemplava fixamente uma bela peça de engenharia sueca, um invejável motosserra Husqvarna. Numa mega loja de ferragens, algo que apenas podemos visualizar invocando o nosso imaginário hollywoodiano, o jovem Tobe fantasiava: “E se eu agarrasse nesta bela motosserra e abrisse caminho daqui para fora à força? A cortar estes matarruanos todos à postas até ao parque de estacionamento? E se levasse as postas para casa e desse um belo de um churrascão para a família toda no próximo fim-de-semana?” Ora aqui está uma bela ideia para um filme!”. E assim foi. Pediu financiamento a uma empresa que mais tarde se veio a revelar ser propriedade da Máfia, juntou um corajoso elenco e equipa e foram para o interior do Texas filmar o primeiro Texas Chainsaw Massacre.
Se há coisa que enfada é quando aqueles paneleiros que passam a vida a ver reality shows, programas de apanhados diários na SIC, 3 horas diárias de Facebook e meia dúzia de jogos de futebol ao fim de semana chegam junto de mim e dizem “Sinceramente, não sei como tens tempo para ver filmes, deves mesmo ser um traste desocupado. Eu mal tenho tempo para me coçar.” Normalmente opto por um sorriso e um fuga rápida para não me chatear, porque a malta com este perfil psicológico é problemática, com capacidades aperfeiçoadas de indução de culpa e geneticamente seleccionados para a peixeirada. Mas não é de bestuntos que vos vou falar, é de gestão de tempo. E falo-vos da minha experiência pessoal e dos objectivos a que me proponho.
Quando era um jovem a morar em casa dos meus pais fui à padaria comprar dez bicos e um pão de meio quilo. Umas vizinhas que estavam à minha frente falavam da morte de dois homens na semana anterior. Dois homens que morreram num acidente bizarro em condições aparentemente inexplicáveis. Dizia uma delas “Eles iam a discutir porque um deles andava amigado com a mulher do outro. Então ele meteu-lhe as mãos aos colarinhos e disse “Eu mato-te, miserável, eu mato-te!” e foi esta luta que os fez capotar e morrer”. Todas as outras senhoras ficaram num choque silencioso, horrorizadas com a tragédia que tinha bafejado morte e angústia na nossa aldeia. Eu tive que perguntar onde é que ela ouviu tal disparate, uma vez que as únicas pessoas que lhe poderiam ter contado sofreram morte imediata nesse acidente. No dia seguinte foi dizer à minha mãe que me tinha visto a fumar com uns drogados, em vez de estar nas aulas.
Aqueles que entraram no submundo da sétima arte no início dos anos 80, como este vosso estragado escriba, aprenderam a odiar com todo o seu ser os Westerns, ou “filmes de cóboys” como eram conhecidos na altura. A razão para tal é o facto de este género ser o preferido da geração anterior, e os teenagers rebeldes dos anos 80, queimados de tanto ouvir Sigue Sigue Sputnik e jogar Manic Miner no ZX Spectrum não queriam saber dos filmes que a velhada gostava. No desfecho dos anos 70 e da sua debochada espampanância alucinogénica, os filhos dos anos 80 só queriam saber de ficção científica, batalhas espaciais, universos alternativos, ultra-violência, pornografia e action heroes de forças sobrenatural (Tendo como templates Rambo e Commando). Os seus pais insistiam com Bonanza e Ben-Hur e os pirralhos mimados, mal educados como qualquer puto ranhoso que se preze, zombavam das boas intenções dos seus progenitores. E assim continuou esta imbecilidade, até aqueles que se mantiveram constantes na cinéfila cresceram até aos quase quarenta anos (que lhes assombram os pesadelos). Sim, somos agora os velhos e algumas ilações devemos tirar dos nossos erros passados.
Com o aparecimento da Internet e dos multiplexes nos anos 90, os rituais quase espirituais de uma ida ao cinema começaram a desaparecer. Ir ao cinema deixa de ser um acontecimento especial, a representação de um estilo de vida, deixa de ter magia e de doses de ansiedade por antecipação capazes de anestesiar um cavalo. Até os rituais de acasalamento da adolescência / juventude sofreram um severo retrocesso com a banalização da sétima arte. Antigamente um jovem tinha que convidar a miúda para um filme assustador para ela se agarrar durante o filme e sentir necessidade de protecção no final para que se pudesse proceder à posterior afundamento do salpicão. Hoje em dia levam as gajas para as discotecas, já semi-nuas (contaminadas de devassidão e predispostas ao mais vil gangbang), dão-lhe pastilhas de ecstasy e rebentam-lhes o cabaço sem grande entusiasmo nos seus quartinhos luxuosos de estudante. Por vezes inconscientes e outras vezes em coito interrompido devido a um “Olha, uma mensagem no Facebook da gaja que eu gosto mesmo”.
Todos os dias são dia de deboche no Cinemaxunga, mas às quintas as coisas saem completamente fora de controle. É o efeito cientificamente reconhecido e comprovado conhecido como o pré-pré-fim de semana (pré2-fim de semana). E é dentro desse ébrio espírito festivaleiro que vos falo hoje do monstro vagina de Starship Troopers do mestre Paul Verhoeven.
2012 foi um ano normal, como todos os outros, carregado de cinema horrível nas nossas salas. Apesar da oblonga lista que tinha aqui à mão, consegui reduzir o “crème de la crème” da mais hedionda ignomínia ao nosso bom gosto cinematográfico a 5 fétidos itens. Sem mais delongas nem insinuações sexuais (sob a forma de impropério gratuito ou história de contornos softcore) deixo-vos 5 filmes capazes de fazer murchar a mais viçosa flor.
Em 1994 tive um reencontro com 9 ou 10 amigos de liceu. Fomos jantar e a noite foi dura. A certa altura estávamos completamente queimados num estado de realidade fortemente alterada. Ninguém estranhava o pinguim que cortava fatias com um florete flamejante multicolor de um bolo que parecia teimar em subir as paredes para encontrar o amor de infância que entretanto se transmutara sob a forma de uma sólida bolha avermelhada que lia um artigo dos Dead Kennedys num exemplar do extinto jornal Se7e. No tecto. Era noite de confidências e um de nós confessou que uma vez uma colega nossa o teria presenteado com um bela sessão de sexo oral e pediu que ele não contasse a ninguém porque era a primeira vez que tinha feito tal coisa, a loucura do momento, envergonhada, etc. Criou-se um estranho ambiente e passados 3 milisegundos percebeu-se que esta história tinha acontecido a todos, à excepção do Sandro, que tinha levado apenas alivio manual. Só parámos de rir compulsivamente quando percebemos que foi tudo na mesmo tarde, numa festa de aniversário.
Não vou fazer a crítica a este filme, uma vez que se trata de um típico filme de gaja com uma pequena percentagem de Appatow, um imenso potencial para o deboche que depois nunca atravessa a linha do moralismo cristão, da máxima “não cobices a mulher do próprio” e a insuportável (e aparentemente inevitável) desfecho “love will conquer all”. Longe de mim querer questionar a horribilidade deste filme. O que aqui me traz hoje é a implicação das mamas CGI que as actrizes usaram neste filme, como alternativa à típica topless scene.
Em primeiro lugar devo fazer um pequeno reparo antes de começar aa escrever este post que gozará certamente de grande popularidade a título póstumo assim que a Internet seja descoberta em 2587 nos destroços da Terra por historiadores do planeta Keppler 22 ou Fomalhaut b (quem chegar primeiro): este top não é uma verdade absoluta suprema a aplicar como norma, é o meu top. Na realidade nem sequer é o meu top real, uma vez que amanhã ou para a semana já tenho outras escolhas e até neste preciso momento existem filmes que gosto mais mas que não me lembro porque estou a ficar com o cérebro todo carcomido da velhice e de abusos de outrora. São pequenos malefícios que se teriam evitado se tivesse feito sempre o que a minha mãezinha me disse. Comecemos que se faz tarde.
Uma das maiores ameaças à nossa felicidade é quando alguém nos quer desvalorizar as ilusões. Pequenas coisas que mantemos à tona da consciência sem forçar o raciocínio sobre as razões da sua existência, pois sabemos que se podem tornar tóxicas ou desinteressantes levando à desintegração de algumas das memórias de sensações que nos fizeram felizes. Isto acontece frequentemente a nós, os chorões dos anos 80, que encontramos em cada memória de infância uma caixinha de surpresas, que pode ser uma confirmação de algo realmente significante ou o constatar que andámos quase 30 anos a idolatrar uma bela poia de merda fumegante.
Um dos assuntos que mais largura de banda queima na Internet é “Qual a melhor trilogia?”. Defensores das várias facções batalham-se 24 horas por dias, desde os tempos das BBS e os modems de 9600 bauds, esgrimindo argumentos e tirando partido da sua melhor retórica para defender aquela que é, do seu ponto de vista, a melhor trilogia cinematográfica. Note-se que trilogia nos dias de hoje não é necessariamente um conjunto de 3 filmes, mas uma molhada deles que pode ir dos 2 aos 56. No entanto ninguém fala daquilo que é realmente importante que é saber qual a pior trilogia de sempre. Tendo em conta a subjectividade inerente a este tema, escolhi como pior trilogia de sempre o Crocodile Dundee. Para a semana pode mudar, mas esta semana odeio de modo figadal o Paul Hogan e as suas tropelias de parolo australiano em solo americano.
A qualidade de um filme de terror não se mede pelos sustos rápidos de fantasmas a aparecer no espelho do WC acompanhados por estridentes cordas de violino a serem fustigadas em tons agudos de rachar vidro. Isso vem e vai e voltamos ao estado inicial. Também não é pelo gore ou pela ultra-violência a que estamos já todos habituados, até porque passa pior no telejornal. O impacto de um bom filme de terror mede-se pelo medo que nos passa, pelo pânico a nível visceral que transmite, por conceitos e imagens que nos fazem ponderam a nossa própria reacção na pele daquela gente em apuros que grita no grande ecrã. E destes filme há poucos, pelo menos ultimamente. Tem sido só maquilhagem zombie, sangue digital e CGI para as mutilações. São filmes como Exorcist, Shinning ou Pet Sematary que nos fazem acordar a meio da noite encharcados em suor e verificar se os nossos entes queridos ainda lá estão bem de saúde. O medo, meus amigos, não se resume a uma luta pela sobrevivência. O verdadeiro medo que habita nos mais negros pesadelos é estar a perder quem mais se ama e nada se poder fazer para o evitar.
São várias as ocasiões em que sou violentamente molestado por jovens cinéfilos de sangue quente que tendem a levar os pequenos prazeres da vida muito a peito. Normalmente porque falo mal de um filme em que pensaram ver a cura de todas as suas moléstias emocionais ou simplesmente gostaram do artista que mata o mau. Ora, quando o pessoal diz à boca cheia que sou um calhau com elevados sintomas de acefalose, incapaz de interpretar conceitos abstratos ou que “era vir um comboio em contra-mão e levar-te”, eu só tenho a dizer que provavelmente têm razão. No entanto, como aqueles que por aqui passam sem ser para ver os artigos que envolvem porno sabem, eu não sou um crítico de cinema. Sou apenas um gajo que aqui se senta ocasionalmente para escrever sobre filmes. Longe de mim almejar tão nobre ocupação. Um plebeu de gama de entrada não pode fazer parte da Schutzstaffel da cinefilia. O que define um crítico de cinema? Que capacidades terá esse guerreiro da luz de possuir para que as suas palavras não sejam meramente um escoar de verborreia indecifrável rumo ao esquecimento?
Em meados dos anos 90 usava as funcionalidades da recente Internet para alargar os meus horizontes cinéfilos. Finalmente estava livre das revistas pagas e fortemente parciais, os críticos mega-estelares com elevada auto-estima da imprensa nacional ou o Top Video na RTP1. Não havia ainda redes sociais, mas havia email e sites mono-página com gifs animados que rodavam a dizer “new” e “hot”. A IMDB dava os primeiros passos e ainda não tinha sido comprada pela Amazon. Um dos meus penfriends por email era um jovem sueco que partilhava comigo o gosto pelo cinema fantástico, terror e sci-fi. Trocávamos filmes em VHS. Eu preferia trocar filmes com suecos e holandeses porque eles também não dobravam os filmes, tinham legendas como nós. Eu mandava-lhe um anexos chamado movies.txt e ele devolvia com os que tinha e os que queria. Um dia esse meu amigo sueco (que não lembro o nome nem tenho o contacto) enviou-me um extra, um filme sueco falado em Inglês chamado Evil Ed. Ele insistiu por orgulho patriota que lhe desse prioridade e assim fiz. E foi assim que vi e revi Evil Ed, um tesouro sueco .
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