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A semana passada dei boleia ao Álvaro da contabilidade. A viagem era curta, mas o infeliz acontecimento de um camião se ter despistado no meio da ponte que preciso de atravessar para chegar a casa, quando me encontrava já num ponto de não retorno, obrigou-me a enveredar pela eventualidade mais horrenda com que um ser humano se pode deparar: a conversa de circunstância. Olhei pela janela do meu lado enquanto o Álvaro olhava pela janela dele com sintomas de um ataque de pânico. Eu abomino a maior parte do contacto social, mas o Álvaro é de outra divisão. É um tipo que tem ataques de pânico frequentes por ansiedade social. Perguntei-lhe se gostava de cinema. Olhou para mim todo sorridente, suado e com aspecto ligeiramente paliativo e disse-me que sim. Disse que ia ver o Super-Homem porque era um filme espectacular. Eu perguntei-lhe porque raio acharia ele espectacular um filme que ainda não tinha visto? “Às tantas vais ver e depois é uma desilusão, Álvaro. Isto de uma pessoa criar expectativas é mau para tudo na vida, desde o sexo ao cinema.” Disse eu tentando legar alguma sapiência ao frágil Álvaro.  Bom, deviam ver como o rapaz ficou. Começou a hiperventilar e só não morri ali com o crânio esmagado porque o Álvaro é um franganito incapaz de carregar mais que uma resma de papel de cada vez. Olhou para mim com as labaredas do inferno inflamadas nas retinas e disse-me que era espectacular porque tinha visto o trailer, e que os efeitos especiais eram os mais caros de sempre, e que o Nolan também tinha realizado (sic) e até já tinha visto online umas críticas e diziam que era o melhor filme de super-heróis de sempre. Para quebrar o gelo ainda lhe perguntei o que ele achava do facto de lhe terem tirado as cuecas vermelhas do lado de  fora e o terem obrigado a manter a sua roupa interior no seu devido lugar. Não me respondeu. Pegou no telemóvel e começou a jogar Snake II.

No tempo que me sobrou pus-me a pensar nesta vaga de super-heróis no cinema e no seu papel na estrutura global do planeta. Porque todas as coisas criadas pelas grandes corporações têm uma razão de existir, um objectivo no controlo das populações, passar uma propaganda qualquer, maximizar o lucro de qualquer coisa. Não são pessoas ingénuas a criar conteúdos para pessoas ingénuas consumirem, porque a direcção do controlo é sempre unidireccional, uns mandam e outros obedecem, ainda que por vezes de um modo involuntário ou por reflexo condicionado.

Inicialmente tive alguma dificuldade em compreender a verdadeira mensagem por detrás do super-heróis das grandes produções de Hollywood. Sendo as corporações envolvidas na produção destes filmes tão obscuras e manipuladoras como os próprios vilões que os super-heróis enfrentam, não estarão aqui a criar um potencial problema para os seus planos de dominação mundial? Quer dizer, neste momento todos temos a sensação que somos fracos e oprimidos no grande esquema das coisas e nos filmes os heróis fazem isso mesmo, salvar os pobres e oprimidos. Mas não é preciso ser muito esperto para perceber isso, e o facto de eu ter percebido é a prova disso mesmo.

Em primeiro lugar os planos dos vilões para controlar o mundo são sempre demasiado óbvios e simplórios e o seu objectivo é sempre grandioso e espalhafatoso, além de ser manifestamente um plano unanimemente adjectivado como maléfico pelos dois lados do conflito, a maior parte das vezes sem resultado prático além da vingança ou da destruição total, coisas difíceis de monetizar depois do pós-guerra. O tempo e dinheiro requerido para um plano destes na vida real tornaria o projecto obsoleto mesmo antes da sua implementação. Um exemplo de como estes planos não podem funcionar está nos observações do gestor de conta do Gru (o maldisposto), do Evil Bank.  Na realidade os planos das corporações são sempre subtis e furtivos até ao momento em que emergem para um ataque fulminante apanhando toda a gente de surpresa. Além disso vêm sempre protegidos por uma camada de propaganda pelos média convencionais (de que são donos) que faz o cidadão comum acreditar que é para o bem da humanidade, seja uma empresa passar a ter direitos sobre sementes que são produzidas naturalmente pela natureza, os governos acabarem com a nossa privacidade para bem da segurança ou os planos do governo português de acabar com a plebe sarnenta e ranhosa nas galerias da assembleia da república.

Outra mensagem passada claramente num filme de super-heróis é que são precisas pessoas com poderes sobre-naturais, mágicos, extra-terrestres, futuristas para além dos limites da nossa tecnologia ou fisicamente incompatíveis com as leis que nos regem a interação de matéria no universo. Ou seja, um objectivo impossível para o comum mortal que todos os dias se levanta para meter os filhos na escola, ir para o trabalho sem tempo sequer para tomar o pequeno almoço, ouvir desaforos e insultos que não pode responder porque precisa daquele emprego para alimentar a família numa altura de insegurança e futuro de aparência negra, que não tem tempo sequer para pensar em revolução ou nos moldes da sua cárcere invisível neste ponto da História mundial porque os afazeres e rotinas do dia a dia que lhe são impostos pela sociedade não o permitem. A ideia que passa é que sem super poderes e magias o melhor a fazer é obedecer às ordens que nos fazem cada vez mais fracos e oprimidos, porque só assim podemos garantir a nossa sobrevivência, neste ghetto de consumo comedido e estupidamente dispendioso.

É isto que nos ensinam os super-heróis no cinema e é assim que contribuem para a nossa miséria. Não me venham dizer que é “divertido e despretensioso” porque a pretensão existe, só não é na área da arte cinematográfica. Posto isto só me resta mandá-los todos para a cona da mãe e espero sinceramente que se fodam.

Deixo-vos com uma visão alternativa do super-homem.

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