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Jurassic World Rebirth (2025)

Acordei numa sala escura. Uma lâmpada forte apontada cirurgicamente à minha cara. Mal conseguia abrir os olhos, sentia o sabor a sangue na boca e provavelmente meia dúzia de costelas partidas. Tentei falar. Ao fim da primeira sílaba, senti um pulmão pressionado por algo pontiagudo. “Foste tu quem escreveu o texto do Jurassic World Rebirth na página do Sr. Joaquim no Facebook?”. Aflito e assustado pensei que finalmente as consequências estavam a materializar-se na vida real. “Senhor quê? Nunca ouvi falar…”. De repente sinto um choque a percorrer-me o corpo, todos os músculos se mexem violentamente de modo involuntário. Incluindo o esfíncter retal, infelizmente. “Era uma pergunta retórica, óh burro! Sabemos que nem sequer viste o filme. Emprenhas pelos ouvidos só para te armares em espertinho e alguém tem que pôr fim a isso. Tens 3 dias para o ver. Senão voltas para aqui e levas uma segunda volta que não será tão agradável”. Um pensamento relâmpago tomou conta de mim, deixar completamente esta parvoíce de falar de cinema. Não necessito realmente disto para nada, muito menos morrer eletrocutado todo borrado por mim abaixo. “Quem és? Serviços Secretos? ASAE? Polícia Judiciária? Mossad? CIA? Mercenário? Espião MI6?”. Uma gargalhada que me vaporizou uma brisa de má higiene oral na cara. “Não, meu bandalho. Sou o Caló que trabalha de manhã no talho do Alcides. Primo da Gisela da Zouparria, que é recepcionista na Florista Linita. Campeão distrital de dominó”. Ok, pensei. Finalmente o famigerado reconhecimento público.

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Alma & The Wolf (2025)

O cinema de terror tem-se vindo a tornar cada vez menos literal. Nos anos 70 e 80, os monstros eram mesmo monstros, normalmente gerados a partir de fobias coletivas populares. Radiação ou detritos tóxicos que mutavam animais e pessoas, fruto da iminente guerra nuclear que estava sempre ao virar da esquina. Fantasmas e entidades do sobrenatural, oriundos de crenças ainda reais, da bicharada mágica do além. Zombies e sobreviventes de um mundo ríspido, pós-nuclear e pós-apocalíptico. Ou os extraterrestres que, finalmente, vinham cobrar as suas dívidas a este planeta emprestado. Ultimamente, principalmente com o advento da omnipresente A24, começou a materializar-se o processamento do luto e das fobias. As doenças mentais tornaram-se os novos monstros e, como se costuma dizer em tom de máxima galhofa: “os monstros somos nozes”.

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The Phoenician Scheme (2025)

De 2 em 2 anos, mais coisa menos coisa, sai um novo filme de Wes Anderson. Por esta altura já ninguém se pode sentir enganado ao ser confrontado com alguma situação inesperada, uma vez que todos sabemos bem ao que vamos. Paletas pastel absolutamente dominantes, simetria doentia, movimentos de câmara definidos milimetricamente por algoritmos da NASA e, bem, e uma adorável patetice autista, à qual ninguém resiste. Vou sempre de pé atrás, preparado para criticar de modo senil como um idoso retido num lar, refém de donas de casa psicóticas a trabalhar sem vinculo contratual. Acontece, no entanto, que no final gosto sempre do filme e fico também sempre irritado por isso.

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Until Dawn (2025)

Há uns tempos, num episódio do podcast Nalgas do Mandarim, falava com os meus amigalhaços co-apresentadores acerca do fenómeno da última década e meia das adaptações de videojogos para cinema. E, como de costume, elencavam-se argumentos rezingões de velhos furiosos com o avanço dos tempos acerca do tema “No meu tempo é que era bom”. Neste caso de nos anos 80, 90 e inícios dos 2000s, os videos jogos mimicavam os filmes que víamos, o cinema era a força motriz por detrás da jovem, imberbe e imatura indústria dos videojogos. Para quem tem andado distraído nos últimos 20 anos, as coisas mudaram drasticamente. A indústria dos videojogos, principalmente da gama AAA, é lider no entretenimento e o cinema e TV agora adoptam os jogos em blockbusters e séries premium nas plataformas.

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Perfect Days (2023)

Um homem simples e humilde. Ligado a uma rotina espartana, rigorosa. Austera…  O tempo pinga vagarosamente enquanto aprecia os prazeres que o mundo abandonou. Contempla os efeitos da natureza nas obras do homem. Ou a obra de Deus, se formos religiosos. Limpa diariamente as belas retretes de Toquio, sempre atento e completista. Wim Wenders leva-nos pela mão a uma visita de estudo da simplicidade, do abandono dos modos vertiginosos da atualidade em prol de paz de espírito, a bem da saúde mental, enfiado mesmo no centro do furacão dessa mesma vida caótica e consumidora. Um estilo de viver minimalista e analógico. Cassetes áudio e livros de bolso em segunda mão. Um colchão fraquinho que me fez doer as costas mesmo sem me deitar, madrugadas fotocopiadas, uma cópia de uma cópia de uma cópia, curiosamente dos antípodas do Fight Club. 

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The Boogeyman (2023)

Uma família de subúrbio muito feliz. Casa bonita e espaçosa, decorada de modo sóbrio e realista, uma existência idílica quebrada pela morte da mãezinha. “Oh, não! E agora?” Diz o pai aflito que estava tão bem na vidinha dele, afogado em trabalho, confiante nas largas costas da esposa que alombava sozinha todos os afazeres da casa. “Caraças, então, mas agora tenho que tomar conta da… aquela… como se chama? A minha filha e a irmã?” E é neste ponto que começa o filme, afundado na dor da perda e no luto. Luto, esse, que será pela pintelhésima vez personificado numa criatura escondida nas trevas que se alimenta da tristeza de quem não deslarga o osso da inquietação.

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