Escrever sobre cinema é uma tarefa muito ingrata e muito perigosa nos dias que correm, acaso ocorra que o escriba sofra de susceptibilidades emocionais ou de alguma classe de bipolaridade que o possa fazer deslizar para o frio vazio da amargura sentimental. Quer-se malta rija, capaz de aguentar os rigores da paneleiragem que vê filmes de smartphone em riste e no final emitem um boçal “Caganda seca” ou o eterno clássico “achei o filme parado”. No entanto, atirar opiniões ao vento acerca de cinefilia não é exclusivo do auto-entitulado crítico de cinema. A paneleiragem com smartphone em riste a ler facebook e a ver filmes também tem direito a opinar. Arriscaria que é tão grave sub-avaliar um filme de smartphone em riste como sobre-avaliar o mesmo filme com camadas de simbologia inexistente e metafísica orwelliana. É uma era chata para o cinema. Os que agora chegaram à maturidade da vida adulta enfrentam esta coisa dos filmes de maneiras diametralmente opostas. Ou vêm pela porrada, os efeitos espectaculares, as cenas de carros, a foda e as explosões-“Ai ó méne ca fixe” ou querem ser aos 22 anos especialistas de todas as áreas da cinefilia em simultâneo, devorando camiões de sugestões de listas de clássicos e assimilando opiniões por simbiose. Serve este sintético parágrafo introdutório, sempre sucinto e conciso, para dizer que tem vindo a faltar à malta do cinema aquele descontraído cinéfilo que se diverte a ver o que gosta, que não se assusta com o que lhe falta ver e que vai involuntariamente criando uma especialização muito própria. Tem vindo a faltar também algum sentido de humor, mas aparentemente hoje em dia chama-se “palhaçada” a essa arte em desuso.
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Uma das melhores sensações que um cinéfilo pode ter é ver um filme que desconhece por completo e ser surpreendido com uma das mais belas obras alguma vez projectadas num grande ecrã. Aconteceu-me isto com Holy Motors, sugerido por um internet friend aparentemente francês (mas que pode muito bem ser iemenita ou senegalês). Inicialmente não sabia sequer tratar-se de um filme falado em francês, no entanto o assombro foi tal que me vi estupefacto durante duas horas, incapaz do mais ínfimo movimento, no delicado limbo entre o desconforto e o deslumbramento, numa obra que faz fervilhar um caldeirão emocional. Enquanto o cérebro extrapola cenários magníficos como explicação e ramifica a imaginação para terrenos coloridamente psicotrópicos, o cerebelo defende-se do perigo eminente da falta de chão lógico para caminhar. Falamos, portanto, de um filme que nos retira da chamada “zona de conforto” e que nos deixa entregue aos coiotes durante duas horas, nus e frágeis às mãos do hábil manipulador Leos Carax.
Sexta-feira, início de Verão. Faz-se noite e pelas frestas do controlo parental começam a afluir às superfícies comerciais hordas de jovens mancebos que carregam o peso morto das expectativas dos seus pais. Sonhos projectados naqueles que, inebriados por uma realidade sintética, vivem uma encenação de prosperidade. Sonhos que lhes foram confiados. Sonhos que acabam sempre violentados e jogados em farrapos nos caudais fétidos do mais vil desprezo pelo trabalho alheio. Diria o poeta que seria um insano desperdício de amor. Mas como todos sabemos, o poeta é outro paspalho inflado de excesso de auto-confiança com capacidades quase sobrenaturais de parasitismo. Além disso o poeta aprecia a sua linha de coca e o ocasional enrabanço ao abrigo do direito de exploração artística.
Várias vezes por ano acontece. Abro aqui a caixita para escrever, escolho um filme que tenho na lista de Drafts, escolho uma imagem e quando vou para escrever, nada. Nil, null, void, zero, nichts, népia… Não me ocorre um caralhinho para escrever. Umas vezes fecho a janela do blog e retorno à pornografia, outras ponho-me a desfiar frango para a eventualidade remota de me apetecer canja ao jantar. Mas o bloqueio de blogger é um assunto sério e não deve ser tratado de ânimo leve. É uma epidemia que merece a sua própria vacina, tão incómodo como uma erecção num jardim de infância.
Haverá limite para a badalhoquice? Não me parece. Reparei ontem na existência de um CD novo da Rosinha chamado “Levo no Pacote”. A Rosinha, para quem não sabe, é uma espécie de Quim Barreiros feminina, cuja principal diferença é que enquanto o Quim Barreiros provoca nos idosos vontade de beber vinho, a Rosinha incha-lhes o pau. Um amigo meu falava-me um dia destes que a melhor maneira de acabar com ela seria inutilizar a sua mais valia. “Como?“, perguntei eu. “Enchendo-lhe o cu de cimento como fizeram em Chernobil“.
Os anos 90 tiveram uma fase muito confusa, em que a música rock renascia sob a forma do glorioso (porém deprimido / deprimente) grunge, o rap/hiphop andava de mãos dadas com o metal/hardcore e ouvia-se falar de um conceito refrescante no cinema, algo que toda a gente achava que ia mudar definitivamente o panorama do cinemográfico mundial: as adaptações de BDs. [pausa para gargalhada] E foi nesta onda de inovação que apareceu Tank Girl, uma miúda de um mundo pós-apocalíptico que adoptou um tanque como fiel companheiro. A combater um uber-vilão com a ajuda de um bando de mutantes guerrilheiros liderados por Ice-T, à laia de pequenos Ches Guevaras, que tinham uma interessante particularidade: eram metade humanos, metade cangurus… Sim, leram bem, cangurus…
O comédia teenager de liceu já existia muito antes de American Pie. As “carcaças velhadas” da minha geração lembrarão concerteza a saga Porkies ou mesmo o injustamente esquecido Loose Screws. Apesar de serem exemplos de filmografia a martelo, são marcos de crescimento para quem viveu a adolescência ao seu ritmo. American Pie veio trazer para o mainstream a comédia sexual teenager, que começa frequentemente rebelde e acaba dentro dos limites do politicamente correcto, a roçar o puritanismo evangélico da sagrada preservação da virgindade. Mas até agora este tipo de filme sempre esteve contido dentro do brainless teen movie de elevada escatologia e comédia de “bater com a cabeça porta” ou o habitual peidinho despropositado. Até agora, disse eu.
Sinopse: Um casal vê a sua interminável felicidade abruptamente terminada quando são assaltados, espancados e reduzidos a 50% de casal por um trio de rufias com ar de rappers. A metade que sobra (Jodie Foster) descobre que a vida faz muito mais sentido se comprar uma pistola e andar por aí a matar malandrins que estão mesmo a pedi-las.
Crítica: The Brave One é um misto de Batman Transsexual (lésbico) protagonizado por Michael J. Fox com Taxi Driver gay. É o típico filme de “vigilante” em que alguma vítima se sente mal protegida pela polícia e decide fazer justiça pelas próprias mãos. Um filme que além de denegrir a imagem de Jodie Foster como uma actriz de respeito também não faz muito pela reputação de Nova Iorque, ao mostrar a cidade como a capital mundial da violência urbana e da injustiça social. Continue reading
Quem acha que é uma vergonha ser apanhado a ver pornografia é porque nunca apanhou ninguém a ver zoofilia necrófila com cavalos (ou o que resta deles). Ou então é porque nunca foi apanhado a ver este filme. Este é daqueles filmes que não podemos mencionar em público sem correr o risco de ouvir uma ocasional pedantica interjeição de “Tu vês dessas merdas?!”. Mas eu vi e não sou o único por isso quero partilhar a minha experiência aqui convosco hoje, como a Fátima me ensinou naquelas manhãs que passei a vegetar no sofá, demasiado fraco para procurar o controlo remoto.
Sempre tentei ser eclético, não embarcando apenas na cinematografia hollywoodiana e odiando outras cinematografias com a mesma intensidade. Tenho uma relação de amor / ódio com a cinematografia francesa. Historicamente poderá ser considerada a mão de todas as cinematografias, em diferentes eras e contextos. Actualmente é muito boa na vertente drama e cinema urbano e terrivelmente pueril e infeliz no que diz respeito a comédias mainstream. Como em tudo há excepções mas vamos ignorá-las por razões meramente estatísticas.
Esta semana vi Sheitan, um misto de filme de terror com cinema rural francês, com elementos sub-urbanos bastante característicos do cinema alternativo francês (vide La Haine). É um projecto pessoal de Vincent Cassel, que se aventura nos reinos da comédia negra satânica.
Se me pedissem para fazer um biopic de “Dubya” Bush só me vinha à cabeça qualquer coisa com Leslie Nielsen numa sucessão interminável de gags slapstick que, apesar de parecerem exagerados, seriam apenas a retratação exacta das coisas que ele fez nestes anos todos. Mas se me dissessem “Ah, mas é para estrear quando ele ainda é presidente“. Aí ponderaria mais o meu guião e tirava grande parte do ridículo e a vertente anti-cristo que o parece envolver. Sim, porque eu (tal como Oliver Stone) prezo o meu lombo livre de bastonadas. Continue reading
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