Desde 24 de Junho de 2003

Tag: pai

Little Evil (2017)

Há duas coisas na vida às quais damos importância desnecessária. Temas que nos remoem o cérebro por dentro, que nos tiram o sono, que nos encharcam as noites de suor e nos fazem ponderar a existência com a pergunta obrigatória “Valerá a pena continuar?”. A primeira destas corrosivas ideias tem a ver com os filhos. Na gravidez, nos primeiros anos, na escola, no crescimento para adultos, em todas as fases nos questionamos constantemente acerca da sua saúde física, mental e social. De facto é só isso que queremos, um filho normal. Um malandrim que cometa as mesmas malandrices da média dos malandrins da sua idade. Não queremos desvios. E o certo é que os nossos filhos terão sempre uma peculiar varada na mona que nos faz sempre olhar para o âmago da nossa essência e concluir que de certeza é da parte da família da mãe. Ou seja, não vale a pena pensar se o nosso filho será normal, nunca é. E isso é bom. A segunda questão dilacerante que pode fazer implodir a própria sociedade e à qual a resposta é sempre não é “Desde que deixou de ser vocalista dos  Muse, fará o Adam Scott* algum filme de jeito?”

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Death Wish – Série “Os Reis do Balázio Vintage”

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Está agora a fazer um ano que empacotei os meus filhos e a minha esposa para casa dos meus sogros e fiquei sozinho durante uma semana. Vi-me num vazio rotineiro que tentei apressadamente preencher. Pegar na bicicleta e ir fazer aqueles passeios que tenho pendentes há anos, ir de mota à Figueira da Foz jantar com os amigos, começar finalmente a fazer jogging, fazer um barco com fósforos, resolver problemas eléctricos na garagem, alterar a combustível do condensador de fluxo (plutónio está caro) ou começar a escrever o tal livro… Depois de muito ponderar optei pela mais lógica: ficar deitado semi nú no sofá a ver filmes, com a migalhas na barriga e as mãos cheias de gordura de pizza, incapaz de colocar em pausa porque os comandos tinham entretanto desaparecido para o limbo dos comandos desaparecidos. Acordar todo torto na sala com o nascer do sol e uma poça de baba ao lado da almofada, sentir-me envergonhado por não aproveitar o tempo e deprimido demais para mudar de actividade. Inventar desculpas para a origem daquelas manchas de gordura no sofá. E com isto aproveitei para rever as sagas Dirty Harry e Death Wish. De seguida em formato maratona, coisa que nunca tinha feito. É esta experiência que aqui quero deixar, escolhendo para vós 3 de cada saga para que possam também organizar uma semana dedicada ao tema “Justiça à força de balázio”.

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Maggie (2015)

Maggie (2015)

– O senhor, por acaso, sabe quem eu sou?
– Paiziiinho!
– Não, não. Sou um drama familiar em formato de telefilme. Coincidentemente passa-se em pleno apocalipse zombie e  protagonizado por Arnold Schwarzenegger.
– Eh lá! Isso é que deve ser matar, esquartejar, decapitar, sangue a jorrar, tripas arrastadas pelas ruas, prédios em chamas, exércitos a bazucar hordes de milhares de zombies pelos ares, a destruição de uma cidade grande americana no terceiro acto, motosseras a…
– Erm… Sim… Não! Não é bem assim. É mais silêncio, contemplação, sofrimento interno, escuridão…
– Escuridão como em “trevas”, a negridão dos tempos, o desespero de se ser mastigado vivo por uma matilha de mortos vivos enquanto se lhes arranca metade do torço a tiro de caçadeira de canos serrados?
– Não. Mais em falhas de electricidade e problemas na infraestrutura de distribuição de alta/média tensão.
– Oh diabo! E vai ser o Arnie a conseguir reconstruir rapidamente toda essa destruição graças à sua capacidade física de super-humano e a uma experiência avançada que não se aprende nos livros para grande humilhação dos jovens superiores hierárquicos que pensavam estar perante um velho caquético que no final lhes salva o dia?
– Não, a infraestrutura mantém-se inalterada durante toda a duração do filme.
-Nem mamas?
– Nada…

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5 filmes tenebrosos para quem tem filhos

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Há uns meses comecei a ver Into The Void de Gaspar Noé. Não sendo muito acessível é, sem dúvida, um grande realizador. O filme estava-se a compor, boa introdução e buildup, muito bonito, muito bem realizado. Etéreo, colorido, modernaço. Planos gloriosos, cenas compostinhas, representação cinema 2.0 com o típico toque de hiper-realidade, abundância de belas mamas, coisas que enriquecem sempre a experiência cinematográfica. Ora, rapidamente este filme resvala para a mais deprimente miséria infligida a duas crianças num flashback se torna a coluna vertebral de todo o filme. Não é um mero momento de passagem, o Noé usa-o como cavalo de batalha, espanca-nos com o conceito. Quis o acaso do momento que esse casalito de irmãos que sofre as mais nefastas bofetadas do destino tivesse a mesma idade dos meus dois filhos mais velhos. “Foda-se, não aguento esta merda!”, pensei. “Que peso aterrador, difícil de respirar…”. Imediatamente carreguei no STOP, só que estas coisas não desaparecem assim. Até a minha mulher me perguntou que cara de carneiro mal morto era aquela e eu respondi prontamente “Nada, continuo viril com um talhante prussiano.” Durante dias aquelas visões atormentaram-me. Olhava para os miúdos a brincar e pensava nas pobres crianças do filme. Acabou por desaparecer com o tempo mas o certo é que há filme difíceis de ver quando temos filhos. Filhos que sabemos existir e que amamos. Não me estou a referir a bastardos que ficaram no ultramar ou daquela galdéria a quem demos 80 contos em 1986 para ela ir fazer um aborto e ela guardou o dinheiro para comprar uma televisão a cores, teve o puto e apareceu 18 anos depois a pedir dinheiro para a faculdade quando o puto afinal até era repositor de stocks no Minipreço e nunca tinha passado da terceira classe.

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Nebraska (2013)

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Ontem foi dia do Pai e eu tive o privilégio de almoçar com o meu. Um almoço normal sem sentimentalismos sazonais. Não foi marcado pela solenidade do dia, foi fruto das tropelias do destino. Falámos de futebol (em termos leigos para eu perceber), de saúde, de cinema e das séries que ele agora vê. Falámos dos netos, da família, dos cães, dos gatos, do preço do frango ser exorbitantemente baixo ao ponto de se dever desconfiar da qualidade para consumo público, dos morangos que plantou só porque os netos gostam de os apanhar e comer “au naturel”. Já não moro com ele há quase 20 anos, não estou longe, mas é cada vez mais complicado apanhar assim um momento. Já não é o mesmo tipo de pai que era nos anos 80, é agora um orgulhoso avô. O meu pai nunca deixou a família para passar a noite com os amigos, nunca se negou a ler-me legendas de filmes completos antes de eu saber ler, contra a vontade da minha mãe atrasou-me várias vezes a hora de deitar para que pudesse ver o The Incredible Shrinking Man, o King Kong ou o Tarantula de 1955. O meu pai ofereceu-me uma metralhadora de aspecto realista que era a inveja dos putos todos da rua. Levava-me ao cinema itinerante  lá do lugarejo todos os domingos, religiosamente. “Olha que ele é novo demais”, dizia a minha mãe. “Não lhe há-de fazer mal nenhum!”, respondia ele sem nenhum pedo-psicólogo a infernizar as ondas hertzianas para o contrariar. Acompanhava-me e aos meus amigos nas futeboladas e deixava-me marcar-lhe golos quando estava à baliza. Foi o meu primeiro grande amigo, o original Bro. Ainda o é, mesmo com as azáfama das nossas vidas. Não somos lamechas nem falamos de paneleirices. Só coisas de homem. Ferramentas, técnicas recentes que vieram revolucionar a tradicional matança do porco e da noite de natal em que nos baldámos à missa do galo para ver o Predator 2.   Vê-lo a ser assim com os meus filhos faz-me parar o tempo mentalmente para apreciar aqueles momentos. Mesmo que tenha que disfarçar a emoção quando a minha mulher me pergunta porque estou ali parado a olhar para ontem se há ainda tanta louça para por na máquina. Tem as melhores ferramentas e aparece sempre que há alguma tarefa mais bricolática para fazer, mesmo sem eu pedir.

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After Earth (2013)

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Will Smith sempre foi um insuportável bonacheirão, um pirralho de morais questionáveis, na eterna fronteira do adorável / insuportável / “matem-no com fogo”, um efeito secundário de um sitcom que correu melhor do que esperado. Agora, subitamente, transformou-se num pai preocupado, num modelo de patriarquia. Uma abrupta mudança de direcção cuja inércia do movimento rápido nos deixou a todos com uma certa náusea, algo comparável com enjoo marinho ou como quando atravessamos o Algarve pela montanha junto a Espanha num autocarro de Rodoviária de 1982, com aquele inebriante cheiro que é uma mistura de plástico em decomposição com ceroulas usadas duas semanas seguidas sem ver água. Neste novo modelo de Will Smith assistimos a tentativa após tentativa de enfardar o seu filho na elite Hollywoodiana, como que a querer encaixar um cubo num buraco redondo. É nobre que o faça, é o seu dever de pai. No entanto, como estrela de topo na indústria com décadas de experiência, Smith deveria perceber como funciona a sua própria profissão e compreender que há coisas que não podem ser forçadas. Uma criança sem carisma, sem talento e sem as qualidades representativas do seu pai irá ser, no limite, chacinado pela crítica e pelo público.

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Mama (2013)

mama

Para os aficionados de longa data do cinema de terror é mais que óbvio que o género está morto. Não no sentido de morto, enterrado e esquecido. Diria que está em coma induzido e mantido no limbo da ausência de criatividade, a canibalizar-se, sofre de doenças de consanguinidade. Arriscar sai caro e usar as mesmas técnicas para assustar teenagers de 14 anos funciona sempre, porque todos os anos há um lote novo de teenagers que nunca foi impressionado antes. Para nós, os que seguem o género desde o início dos tempos (videoclubes, vá!), pouco material novo existe. É mais rentável para mim apostar em clássicos que escaparam do que investir o meu precioso tempo a ver templates açaimados e letárgicos. A culpa, na minha humilde opinião, é do Saw,  do gore CGI e da banalização do jump scare.

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The Road (2009)

Tu, leitor genérico, és uma pessoa equilibrada, relativamente satisfeito com a tua qualidade de vida. Um bocadinho de ansiedade de status, o que é perfeitamente normal numa pessoa com alguma ambição. Vida sentimental e familiar agradável, uma amante ninfomaníaca nalguns casos. Uma vida que não sendo de êxtase permanente, está num nível aceitável daquilo a que convencionamos chamar “felicidade”. Mas um dia vira-se à porta de tua casa um camião de anti-depressivos, beta bloqueadores e ansiolíticos. Como podes dar uso a este valioso tesouro se o teu cérebro está bem equilibrado? Se ao menos fosses uma pessoa deprimida não vias esta oferta como uma inutilidade. O que pode provocar uma depressão instantânea tão imensamente poderosa que necessite de um camião de fármacos? Na minha opinião, este filme…

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