Quando tinha 10 anos fui ao circo. No intervalo saí para ir ao WC e quando voltava enganei-me na porta. Entrei no backstage. Aquilo que vi naquela imunda salinha fez-me repensar toda a minha perspectiva sobre a existência humana. O ambiente nebuloso com um misto de cheiros que ia desde o tabaco entranhado nos tecidos até ao forte suor de quem não se lava há meses, passando pelo odor a peido permanente misturado com chulé, encerrava uma imagem que ainda hoje tenho apegada bem no meio do pódio dos traumas de infância. O mesmo palhaço que tinha acabado de fazer um adorável número musical com um serrote estava agora a praguejar como um trolha bêbedo. As palavras de um grau impensável de asneiredo só não me chocaram mais porque o impacto visual de um palhaço sem calças, sentado num sofá gasto a fumar um fino cigarro com cheiro a incenso e a acariciar o peludo testículo que lhe saía dos truces foi manifestamente superior. Olhou para mim, teceu um esgar de compaixão e proferiu uma frase que nunca mais irei esquecer “Hey caralhito, e se te pusesses nas putas? É a porta ao lado que querias, ó paneleirote!”. Ora este incidente, por muito pérfido que possa ter sido, ensinou-me uma das mais importantes lições da minha vida. Desde esse dia compreendi finalmente o segredo da felicidade. Afinal tudo passa por não ter expectativas altas em relação a nada. Este ensinamento, por muito insignificante que possa parecer, ajuda-nos a encarar todos os acontecimentos do dia a dia com júbilo acrescido. Seja numa situação profissional que afinal não é tão horrível como à primeira vista poderia parecer ou num inesperado encontro de sexo em grupo. Manter as expectativas baixas é sempre o segredo da felicidade. Quanto muito da ausência de infelicidade, que nos dias que correm já é bem bom.
Tag: thor
Emboscado por uma avalanche de crítica surpreendentemente positiva, atirei-me com unhas e dentes a Thor. Como poderia um filme cujo personagem principal ter o aspecto apaneleirado do desconhecido quinto membro dos ABBA e envergar o fato mais estratosférico de sempre ser considerado um clássico instantâneo? Bem, aparentemente hordes de pacatos e bem intencionados cinéfilos caíram na bem urdida “Armadilha Shakespeare”. Esta armadilha não é original nem sequer é um artefacto raro. É usada em abundância pela indústria cinematográfica americana mas a fúria assassina daqueles que são constantemente enganados por ela acaba por se esvair num modesto nada devido à habitual falta de concentração provocada pela hiper-estimulação que essa indústria usa para nos manter sedados.
Recent Comments