Vanessa-Hudgens-in-Spring-Breakers

Há escassos dias iniciei-me no universo de Harmony Korine com Gummo. Desde sempre que estou familiarizado com uma icónica imagem do filme, em que uma criança de aspecto socialmente descuidado come um prato de esparguete sentada na banheira. A água cinzenta escura, um tabuleiro apodrecido, os azulejas cheios de bolor e um pedaço de bacon colado com fita cola à parede. Atenção que eu acabei de escrever “um pedaço de bacon colado com fita cola à parede”… Além de ser um dos frames mais icónicos dos foruns e imageboards de cinema por essa Internet fora é também Gummo in a nutshell. Mais ainda, é um concentrado de essência do pouco que vi de Korine.

A minha relação com Spring Breakers começou por ser de puro preconceito, a expectativa era de um showcase de princesas Disney, para as vender como actrizes adultas prontas para outra fase de cinema, uma espécie de Galdéria Shop. Uma comédia teenager foleira, era o que esperava, com peripécias, amores inesperados, separações dolorosas onde o amor acabaria por tudo ganhar. Depois de ter visto Gummo percebi que, provavelmente, as coisas não iriam ser assim tão lineares. E assim foi.

Colocando para já a estética de lado, Spring Breakers não é um filme fácil. E será ainda mais difícil para americanos, porque lhes destrói os sonhos do American Dream e dos finais felizes. Um grupo de estudantes universitárias, levadas pelas emoções e pelo líbido efervescente, assaltam uma loja para arranjarem financiamento à sua viagem de férias da Páscoa (como lhe chamamos por cá). Tomando o gosto pelo lado negro da vida, acham que têm o mundo a seus pés e o crime compensa. São presas numa orgia de drogas e é-lhes paga a fiança por um rapper de nome Alien. Inicialmente desconfiam, mas ganham o gosto pela vida de gangster, com fundos ilimitados, carros, armas, sexo anal na piscina e um piano branco na praia. Até que chega a altura em que se percebe que tudo tem o seu preço e só não entra em queda livre direitinho ao mais profundo desespero e depressão porque Korine dá a volta por fora e equipa o seu filme um final ao estilo de teatro Kabuki japonês, com fogo de artifício (leia-se estilo, armas e peidola rijinha), música (leia-se horrendo gangsta rap com tendências dubstep de meter os dedos aos estômago) e dança (leia-se “extreme slow motion  ass and tits”).

Uma facto engraçado com os extremos em superfícies esféricas, é que a partir de certo ponto da trajectória de afastamento se começam a aproximar novamente. Lembrei-me deste pedaço de física para idiotas, porque ao ver a primeira metade de Spring Breakers não evitei a constante comparação com a estética Malick no último “To the wonder”. Noutros ambientes e carregado de perfídia redneck e gangsta rap é verdade, mas ainda assim todo o conceito de narrativa etérea e alienígena de quem está sentado no lugar espectador a assimilar mais que uma narrativa, toda a gama sensorial dos personagens, podendo ver o passado, presente e futuro em simultâneo. Ou seja, murmúrios praticamente inaudíveis em cima de música de volume desajustado e jumpcuts não sequenciais.

Durante uma hora pensei estar a ver um filme que, de certo modo, me iria encher as medidas. Mas no terceiro acto a opção artística fez-me repudiar o fim. Não acho que seja um fim sem qualidades ou fraco, serei eu que provavelmente estarei velho demais para alinhar nesta modernice toda. Seguirei a carreira deste artista que tem o mérito de limpar o rabo aos preceitos das ditaduras de Hollywood e ser fiel à sua visão, respeitarei a sua revolução, só que não prometo amá-lo e respeitá-lo na alegria e na tristeza na saúde e na doença até que o tempo o arraste para os pântanos negros do esquecimento cinematográfico.

Deixo-vos com a tal imagem de Gummo que falei no início e umas fotos de rabos.

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