Nos dias que correm as pessoas não têm tempo a perder, querem a rotina automatizada e despachada antes das 20h para poderem passar o resto da noite a ver a SIC. Ora, a pensar neste flagelo que assola a nossa sociedade, vou testar hoje o conceito do walkthrough para filmes. O walkthrough, em videojogos, é o termo usado para o guia que permite ao jogador mais impaciente avançar pelos níveis sem delongas. Em cinema pode ser igualmente útil. Porquê perder imenso tempo com os actores a matracar infindáveis bláblás quando alguém o pode fazer por nós, como uma mamã águia que mastiga os alimentos antes de os regurgitar carinhosamente na boca dos seus filhote? Interessa mesmo perceber a simbologia implícita, os segredos da composição e do grafismo, a crítica social, a arte que centenas de profissionais dedicam para que os possamos insultar quando pirateamos os seus filmes da Net? Vamos então começar por um clássico dos videoclubes dos anos 80, The New Barbarians ou Heroes of the Wasteland, que em Portugal foi abençoado com o original título “Os Implacáveis Exterminadores”. A minha descrição será acompanhada por videos em Webm, um prodígio do novo HTML5.
Nos créditos iniciais percebemos por uma intensa luz por detrás de miniaturas da Meccano que a normalidade foi interrompida por explosões nucleares, definindo o tom pós-apocalíptico do filme, uma vez que o apocalipse ocorre no início. Despachada a premissa, um logotipo metalizado afirma virilmente que vai ser um filme a doer.
2019, a guerra nuclear acabou. Pelo esqueleto dentro o fato de astronauta num cenário desolador, provavelmente uma lixeira do sul de Itália, percebe-se que foi uma coisa à escala global, à séria. Se há sobreviventes são gente dura ou fracotes que têm tido sorte. A sorte não é eterna. O ar cheira a matança eminente. Se fosse para ver amor teríamos alugado o Oficial e Cavalheiro.
Uma comunidade pacífica e de gente que não é guerreira vive com a escassez do dia a dia. Este velho só dá meia dose de sopa à senhora que prontamente reclama. “Só esta merda, velho?“. “Quê?“, responde o senil ancião. “Chupa-mos!“, insulta a moça de sorriso nos lábios por saber que o velhote é surdo.0. Sem sucesso volta para o final da fila na esperança do velhote se esquecer que ela já lá passou e lhe dar a outra meia dose.
Entretanto um grupo de safardanas amaricados vestido de roupa estranhamente complexa e inovadora para tempos de escassez assalta a aldeia e mata a malta toda. Todos eles rejeitadoss das audições para membros dos Modern Talking e alguns dos Sigue Sigue Sputnik. Só sobra uma gaja boa que mais tarde vai servir de repasto a um dos heróis numa noite de amor tórrido pouco explícito. Estes maquiavélicos Templários não se limitam a matar, fazem-no com redobrada crueldade. Aqui nesta cena um senhor perde a cabeça com estes malandros. Ponto extra para o actor entusiasmado no início da cena por ter encontrado um sobrevivente.
Um outro jovem com um protecção de cabedal sobre os testículos tenta fugir de um carro. Infelizmente não se lembra que pode desviar-se para os lados num movimento brusco evitando assim ser atropelado e corre sempre em frente ao carro colocando-se a jeito para o espeto, o chamado “Síndrome Christine”. Nem o protector de tomates o safa. Mais uma vez os maléficos templários rugem de sadismo com tanta gente boa, inocente e potencialmente útil para mão de obra escrava a ser chacinada. Vão ter que ser eles próprios a lavar e engomar os seus delicados fatos ao final do dia, quando o sangue se acumular nas mangas e golas. E provavelmente têm que fazer o jantar e aliviar manualmente o chefe de pelotão. Se tivessem guardado alguns saudáveis escravos em vez de os terem incinerado com o lança-chamas embutido no carro…
Scorpion, um dos heróis desta gloriosa película, aparece. Já não vem a tempo de salvar ninguém, é verdade, mas ainda tem tempo de matar o líder dos templários. O falecimento de tão icónico personagem é prematuro e revela-se um estratagema narrativo para aumentar o grau de malícia destes vadios assassinos. No final da cena não se percebe se se magoou no pulso ou se está a ver as horas. Um catalizador de testosterona. Scorpion ignora a contestação e leva a mais jeitosa de todas as jeitosas, curiosamente a única sobrevivente da matança.
Entretanto um outro herói, Nadir interpretado por Fred Williamson, aparece e mostra os seus dotes de arqueiro com pontas explosivas. Evita mais umas mortes desnecessárias ao mandar um pilantra que se preparava para chacinar mais inocentes para o inferno, o lugar de onde nunca devia ter saído. É notável o que a equipa de efeitos especiais faz às cabeças.
Entretanto Scorpion é capturado pelos templários que o enrabam a sangue frio. Literalmente, conforme se pode ver neste próximo vídeo. É para aprender a não matar os lideres dos outros sem pedir autorização. A montagem, salvo seja, é feita de modo a não se perceber exactamente o que está a acontecer, mas que está a levar no cu, está. E ainda por cima à frente de toda a gente. Deseja secretamente ter trazido roupa interior lavada. Desenganem-se aqueles que acusam este filme de simplório, porque nesta cena tudo tem conotações simbólicas.
Nadir, além de não ter sido enrabado por nenhum gang de metrosexuais louros, continua a matar a um ritmo elevado. E a sorrir no final. Quem resiste a um sorriso malandro ao ver um motard decapitado a percorrer ainda uns bons metros sem cair? Ou a ver a sua frágil cabecita desprender-se dos ombros e elevar-se sozinha aos céus com um rasto de fumo como quem diz “I must go, my planet needs me!“
Nadir vai matando e sorrindo. Com uma suavidade de fazer inveja ao John Travolta. Desta vez um jovem paneleirote lourinho com um casaco igualzinho a um que tinha em 1985 que só podia usar ao domingo e só à hora da missa. Uma vez fui apanhado com essa casaco guardado na mochila para usar na escola e levei a bom levar. Era minha esperança facturar umas beijocas por ter um casaco janota. As gajas gostam de miúdos com casacos janotas. Só que o meu casaco tinha menos enchumaços nos ombros. E era de outra cor e de outro tecido. Não tinha mangas.
E com isto chegamos à batalha final onde os nossos heróis vencem os maléficos templários. Scorpion, ainda de cu dorido, quer vingar-se do sacana que lhe deixou o esfincter em carne viva e segue em perseguição com a viatura adequada. Ah, o karma é lixado e a justiça poética, tudo enrolado numa singela cena. Autentica poesia pós apocalíptica. Moral da história “Se não te queres picar, não enrabes um escorpião”. Pontos extra pela caveirinha no capot.
E tudo está bem quando acaba bem. Até uma criança perdida, um orfão do apocalipse encontra o seu novo pai. Scorpion que ainda ontem estava numa reunião exclusivamente masculina a brincar ao esconde o martelo, hoje encontra uma mulher e um filho crescido, capaz de cuidar de si. Ah, a felicidade dos finais felizes. Créditos finais a rolar. Koniek.
Deixo-vos ficar algumas imagens da cassete em beta que encontrei no blog do Nuno Vieira.
Além disso podem ainda ver o filme completo no meu canal do Youtube a custos muito reduzidos.
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