Ex-Machina

A tecnologia avança de modo vertiginoso, descontrolada, eufórica… Uma corrida desenfreada que já dura desde que DaVinci alinhou umas rodas dentadas debaixo de uma pele de cabra.  Vivemos num tempo de imprevisibilidade tecnológica, milhões de engenheiros e cientistas a trabalhar, coordenar esforços, em busca do santo graal tecnológico: um robot com entrefolhos correctamente anatómicos que se possa foder. Será a empresa que o criar que poderá controlar o planeta, mudar regimes, criar estratégias globais.  Quem entre nós não apreciaria ter um parceiro sexual topo de gama que tivesse um botão de off e esperasse o sono do amado para actualizar o firmware na pacatez da noite? Depois de engomar camisas e lavar as bancas da cozinha. E é por aqui que a nossa psique colectiva alinha o progresso da humanidade.

Ex Machina, uma versão de modernizada e romantizada de I Robot, é um filme intimista sobre o relacionamente de um homem com uma mulher que é também um robot, um android, uma fembot, enfim, o que lhe quiserem chamar. Um jovem é convidado pelo dono da Google do futuro para analisar a humanidade de Eve, esta jeitosa mecanizada. Será a sua missão perceber se Eve é um ser consciente ou apenas um competente trabalho de programação. A aproximação científica a esta tarefa rapidamente se esgota no seu limitado ambito teórico e o jovem entra em freestyle, perdendo as protecções que lhe confere uma abordagem mais standartizada. Criam-se afectos, coisa que nunca termina bem.

Um filme bem feitinho, bonito e organizado. Narrativa firme, passos seguros e entrega as porções correctas no momento certo. Fotografia competente, ambientes perfeitos, claustrofobia manipuladora. Terá talvez uma pequena percentagem de presunção nos diálogos acima do desejado. Eu diria 13% a mais. O savoir-faire de Alex Garland e a sua equipa está em tornar um filme tecnológico e potenciamente geek dado a extrapolações filosóficas de saber se os androides sonham com ovelhas electrónicas num filme quente e intimista, carregado de identificação do cinéfilo com um situação muito improvável. É trazer o espectador para dentro do turbilhão e fazê-lo sentir como sua a aspereza daqueles dias.

Mais do que analizar a humanidade da angelical entidade robótica, Ex Machina coloca-nos perante a assustadora premissa de que a nossa própria humanidade poderá ser também uma ilusão e que somos  programados pelo esquema maior das coisas, incapazes de gerir os nossos destinos como nos habituamos a acreditar. Crença essa também programada. Só que, ao contrário do robot em questão, não percebemos o limite da nossa influência. Bolas, podemos até existir há apenas 12 minutos com um módulo que simula todo o nosso histórico. Podemos daqui a 4 horas estar a recordar outra vida, outra espécie, a observar outro sistema solar, a ser apagados, reprogramados, analisados, enviados para reciclagem, empilhados numa sucata em Kepler 39b ou até fazer parte de uma consciência puramente etérea, binária, uma virtualização da realidade física inexistente. Talvez este filme deva  ser visto longe das garrafas de vinho tinto.

E assim o filme nos aterroriza as perspectivas de umas belas férias de Verão ou aquela promoção para a qual nos esforçamos tanto. Também nos dá esperança num futuro melhor, onde também os manetas se podem dar aos prazeres da fricção. Fica a dúvida: are we human or are we dancer?