Final de Outono de 1986, Quarta-feira, noite húmida e fria sem chuva. Fui o primeiro miúdo da minha rua a ter um videogravador e não tive que esperar muito para que um amigo seguisse o meu caminho. A partir daí criámos um poder avassalador, desconhecido nas redondezas até à data: copiar filmes do videoclube para os podermos manter até ao final dos tempos na nossa posse. E com isto começou a minha obsessão. Qual curador do MoMA, fui catalogando o produto daquela primitiva pirataria e comecei a fazer trailers dos que mais gostava. Ora, a minha ideia de trailer era meter as melhores partes em segmentos que podiam ir dos 2 aos 5 minutos. Normalmente de filmes hiperviolentos do pós-apocalipse e sempre com decapitações e intestinos expostos. Um dia chegaram à aldeia duas primas de Lisboa de um amigo que pensou que seria boa ideia, para as impressionar, irem a minha casa ver um filme do cinema. “O gajo tem lá filmes que podes escolher e ver o que te apetece. Até podes parar para ir fazer um xixizinho.” As sofisticadas jeitosas da metrópole sentaram-se e eu meti então a minha cassete de trailers para que pudessem escolher. Pensava eu, nos meus modestos inexperientes 14 anos, que os meus gostos eram os mesmos de toda a gente e se eu achava que era bom, todos achavam. Bem, erro fatal. Começaram a passar os clips de 2020 Gladiadores do Texas, Os Salteadores de Atlantis, Os Implacáveis Exterminadores e She A Raínha da Guerra e do Amor. E aquilo era tudo à base de freiras a ser violadas, motards decapitados, setas a atravessar crânios, pessoas trespassados por carros com espigões e muita gente a ser queimada com lança-chamas. Material do género deste post que publiquei há uns anos – The New Barbarians (1983) – Walkthrough. A cassete não chegou ao fim e a última frase que ouvi antes do bater violento e apavorado da porta da rua foi “Credo, que só cá tens cabeças!…”. Todos nos rimos nervosamente em tom jocoso com aquele desconhecimento que os rapazes adolescentes têm acerca das mulheres, e que continuam a ter até ao dia em que lhes ponham uma campa em cima. E perdemos a oportunidade de uma bela tarde de marmelanço e apalpanço, porque elas não queriam realmente ver filmes, queriam um lenho túrgido da província para afagar por cima das calças enquanto ficavam com os queixas dormentes de tanto intenso linguar.
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A moda cinematográfica do momento é a Bíblia. A Bíblia em 3D. A Bíblia em 3D com imenso CGI. E jovens semi-nuas, só para não alienar o público ateu, agnóstico, stoners, pedófilos, sodomitas e membros do clero em geral. O fabuloso “The Fist of Jesus”, filme já abordado por mim e por outros apóstolos em conversa casual de facebook, aproveita a onda e inicia um crowdfunding para tentar extender esta obra para um patamar de reconhecimento global em versão longa metragem sob o nome de “Once Upon a Time in Jerusalem”. Mas afinal que de que trata esta heresia do “Fist of Jesus”?
Quando as festas começam a morrer, a música desaparece, o chão se torna perigosamente escorregadio e o dia começa a nascer, dou comigo a defender de modo violento a minha teoria de que os filmes de terror dos anos 80 e inícios dos anos 90 que tivessem nudez ou uma cena de sexo compostinha no primeira acto, eram uma merda em termos de valores de produção e de satisfação reduzida para o fã inveterado de uma boa matança. E nestas alturas levanta-se sempre um bêbedo do fundo da sala e pergunta “Então e o Humanoids from the Deep ?”. Então paro para repensar e reflectir na minha vida, nas minhas escolhas e a questionar todas as decisões, resoluções e juízos que fiz até então. “Será a minha vida uma ilusão? Um engano? Quem sou eu?”. E depois respondo “Ah, Ya!” num ataque fulminante de adolescência compulsiva, mas sem a habitual ereção.
O senhor Arnold Alois Schwarzenegger está de volta. Depois de um intervalo de 10 anos para fazer o serviço político obrigatório do clã Kennedy, Arnie volta ao cinema de acção e da violência gratuita. Estaria a mentir se dissesse que este regresso me é indiferente, afinal de contas estamos a falar do herói da nossa adolescência, o protagonista dos Terminators, de Commando, Predator, True Lies, Total Recall ou Conan (o que não é homem-rã). Impulsionado por esta nova onda de “I’m too old for this shit” movies, Schwarzenegger optou por fazer mais uma perninha a assentar bofetada de criar bicho, distribuir balázio e atirar oneliners relacionadas com os problemas da velhice.
Em 1994 tive um reencontro com 9 ou 10 amigos de liceu. Fomos jantar e a noite foi dura. A certa altura estávamos completamente queimados num estado de realidade fortemente alterada. Ninguém estranhava o pinguim que cortava fatias com um florete flamejante multicolor de um bolo que parecia teimar em subir as paredes para encontrar o amor de infância que entretanto se transmutara sob a forma de uma sólida bolha avermelhada que lia um artigo dos Dead Kennedys num exemplar do extinto jornal Se7e. No tecto. Era noite de confidências e um de nós confessou que uma vez uma colega nossa o teria presenteado com um bela sessão de sexo oral e pediu que ele não contasse a ninguém porque era a primeira vez que tinha feito tal coisa, a loucura do momento, envergonhada, etc. Criou-se um estranho ambiente e passados 3 milisegundos percebeu-se que esta história tinha acontecido a todos, à excepção do Sandro, que tinha levado apenas alivio manual. Só parámos de rir compulsivamente quando percebemos que foi tudo na mesmo tarde, numa festa de aniversário.
Facto: a puberdade é a fase mais dolorosa do crescimento. Quando as crianças começam a ter sensações estranhas, a relação com o corpo é de amor/ódio, tufos de pêlo populam áreas de de pele outrora caracterizada pela frondosa suavidade, o apocalipse dos pessegueiros (esgalhados)… É nesta fase que se forma a nossa personalidade e é uma fase que nunca corre bem. A razão de sermos adultos disfuncionais, descompensados e de humores irregulares nasce, em parte, pela falta de equilíbrio nessa fase crucial do crescimento. Mas não se preocupem porque somos todos assim, imperfeitos, incompletos. Há, no entanto, quem não se safe e se deixe engolir pelo ciclone hormonal e emocional do fast forward evolucional pre-teen. É nestes mares da extrema disfunção e desequilíbrio em todas as frentes que navega Excision, o freakshow do ano.
Fui apanhado de surpresa pela dinâmica de V/H/S. Julgava tratar-se de um filme normal, com uma estrutura narrativa principal, um ou dois arcos secundários, etc. Na realidade V/H/S tem como conceito o encapsulamento de várias curtas metragens num contexto que evoca o mítico formato VHS. O fio condutor é um grupo de jovens que invade uma casa em busca de uma fita rara que lhes irá valer uma valente massa. Quando entram descobrem um cadáver num sofá a olhar para várias TVs que estão a transmitir estática. Por deficiência na descrição da sua missão, começam a ver as cassetes que lá estão até descobrirem se alguma encaixa na descrição “fita rara de incalculável valor de mercado”. Inicialmente ainda pensei que se tratasse do original Tomás Taveira (a cores), mas aquilo com que somos brindados é um dos maiores espectáculos de gore dos últimos tempos.
Em meados dos anos 90 usava as funcionalidades da recente Internet para alargar os meus horizontes cinéfilos. Finalmente estava livre das revistas pagas e fortemente parciais, os críticos mega-estelares com elevada auto-estima da imprensa nacional ou o Top Video na RTP1. Não havia ainda redes sociais, mas havia email e sites mono-página com gifs animados que rodavam a dizer “new” e “hot”. A IMDB dava os primeiros passos e ainda não tinha sido comprada pela Amazon. Um dos meus penfriends por email era um jovem sueco que partilhava comigo o gosto pelo cinema fantástico, terror e sci-fi. Trocávamos filmes em VHS. Eu preferia trocar filmes com suecos e holandeses porque eles também não dobravam os filmes, tinham legendas como nós. Eu mandava-lhe um anexos chamado movies.txt e ele devolvia com os que tinha e os que queria. Um dia esse meu amigo sueco (que não lembro o nome nem tenho o contacto) enviou-me um extra, um filme sueco falado em Inglês chamado Evil Ed. Ele insistiu por orgulho patriota que lhe desse prioridade e assim fiz. E foi assim que vi e revi Evil Ed, um tesouro sueco .
Para terem uma ideia do que vou falar neste post, imaginem a cena inicial de “Saving Private Ryan”, mas em vez de nazis a receberem os aliados teríamos piranhas mutantes assassinas sedentas de carne, esfomeadas, capazes de desfazer um ser humano em 23 segundos. Aliás, em vez de soldados aliados imaginem gajas em bikini. Bikini não, de maminhas ao léu e algumas com as reluzentes vaginas a receber directamente luz do sol. Metam umas pitadinhas de sexo, teenagers no cio, Elizabeth Shue (a MILF de serviço) rija como o aço… Mas a melhor razão para amar este filme é porque o James Cameron desaprovou. O dele (Piranha 2 de 1981) foi bem pior. Tem medo que dê mau nome ao 3D. Meus senhores, se o 3D tiver alguma utilidade, que duvido, é para ver gajas em pelota. Oscar, já!
Todos nós temos uma história de infância em que havia perto do nosso grupo de amigos uma gaja que tinha ido para o hospital com uma garrafa de Coca-Cola enfiada na rata que não saía por causa do vácuo. Na minha terra havia uma versão spin-off do mesmo mito urbano. Um puto a quem chamavam o “piça de zebra” que alegadamente terá ficado entalado com a gaita numa garrafa vazia de lixívia e os fumos químicos ainda existentes provocaram uma descoloração na gaita que lhe deu a alcunha supra citada. Como tudo na adolescência, a realidade e a ficção estão entrelaçados fortemente de modo a que o LSD perto daquilo é uma pálida pastilha de paracetamol.
Violadores, pedófilos, assassinos canibais com complexo de deus, lunáticos que fazem festins com sangue humano e presenteiam as suas visitas com banhos de ácido. E isto são apenas os bons da fita. Imaginem os vilões…
O sangue jorra num festim imparável de carnificina, miolos e pedaços de osso trespassam as objectivas num infindável jogo de matança sádica, a audiência paralisada de estupefacção espuma de nervoso miudinho e excitação face à postuma justiça para com os crimes do Holocausto, acção tão electrificante que não temos tempo para processar o que acabamos de presenciar. Verdade? Não, mentira!…
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