Cinema Português, esse imenso buraco negro da boa vontade. Sempre que nos aproximamos de um filme nacional com a esperança de finalmente haver uma obra cinematográfica capaz de orgulhar a nação, a nossa boa vontade é sugada por um vórtice de tão colossal vazio que nem a própria gravidade escapa, transformando a esperança em fúria. Raiva suficiente para incendiar uma sala de cinema, demolir a sede do ICAM ou enforcar um produtor. Mais ou menos como ser agarrado pelos tomates, despido, e ser arrastado por um campo de urtigas e silvado selvagem a caminho de um alguidar de metanol.
Devo dizer que me aproximei deste filme como quase sempre me aproximo de um filme português que pondero seriamente ver: com esperança num cinema melhor. Pelo trailer e publicidades percebi que a ideia seria criar uma obra popular, comédia leve com relacionamentos românticos e uma forte vertente cultural daquilo que me pareceu ser pelo marketing uma aldeia (e respectivo folclore) da zona do Gerês. Tudo bem, vamos nessa. Outra coisa importante: paguei por ele, os produtores receberam uma fatia (pequena decerto) para os ajudar a acreditarem num mundo melhor.
E o início agradou-me e formei imediatamente a ideia de que estava perante um agradável filme, que não me iria desiludir. Majestosas fotografia e cinematografia. Qualidade, infinita beleza da paisagem portuguesa, tão nossa e verdadeira que não há software 3D que a recrie. Mas logo de início começam a aparecer elementos disléxicos. Cenas mal explicadas, frases que não se percebem bem… Há ali um ou dois pontos em que o realizador espera que o público acompanhe deduções, faça uns saltos de fé. “Ok, compreendo a opção artística”, pensei. O realizador pretende adensar a trama com algumas dúvidas no intuito de criar mistérios e perguntas a responder no fim.
Mas não, meus amigos. Nada disso. O realizador foi simplesmente incapaz de transpor para o ecran aquela que era um ideia simples mas bastante exequível. O argumento também complicava demasiado o que podia ser simplificado. Mas os elementos eram tantos, as facções e respectivos ideias eram de tal magnitude que se cria um imenso balde de confuso nonsense.
Do lado de fora do ecrã estamos nós, incapaz de acreditar que assuntos tão levianos possam ser encarados com uma importância tão vital como, sei lá, evitar uma guerra nuclear ou deixar morrer uma mãe para salvar um filho. É essa a postura do personagem principal, que nunca em momento algum nos faz acreditar que aquela gente significa algo para ele.
Ora aí está, um belo conceito atirado para os fossos borbulhantes da estupidez, qual triângulo das bermudas do cinema português, pejado de uma imensidão de carcaças ferrugentas de cinema naufragado, cinema que poderia fazer algum sentido e por alguma razão preferiu agarrar-se ao calhau da superioridade intelectual ou ceder ao impulso mais simplista do sexo ou a alguma absorção cultural mal conseguida. Ou a simples desleixo, birra ou autismo dos profissionais envolvidos, portadores da bandeira de um cinema que procura ainda a sua identidade, na eterna sombra das comédias de outrora, que alegravam um Portugal sem grandes exigências culturais. Um cinema que, infelizmente, não existe, o cinema Português.
Salva-se a espanhola, não pela performance mas pelo imaginário impuro e pecaminoso que invocava a cada vez que abria a boca.
Olá
já pensaste em dar umas ideias a Jigsaw?
O teu catártico post até me deu arrepios…
“Raiva suficiente para incendiar uma sala de cinema, demolir a sede do ICAM ou enforcar um produtor. Mais ou menos como ser agarrado pelos tomates, despido, e ser arrastado por um campo de urtigas e silvado selvagem a caminho de um alguidar de metanol.”
E tu não tens tomates (julgo eu). Agora imagina se tivesses…