O thriller, enquanto policial obscuro quase a roçar a ténue fronteira com o filme de terror ou paranormal, está a definhar. Uma tendência popularizada por Hitchcock e eleita ocasionalmente por realizadores competentes para exercícios de estilo, saudosismos ou para contar uma história com mais densidade do que é previsível num filme mainstream. E se é certo que na maior parte das vezes o resultado acaba por se vaporizar para o eterno vazio da memória cinematográfica mundial, também é certo que por vezes aparecem obras excepcionais, histórias que nos amarram como octopodes viscosos e só largam depois do climax narrativo.
A premissa é tão simples quanto assustadora: há 8 anos a esposa de Alex foi assassinada. Ontem enviou-lhe um email (reticências de assombro)… E com isto que vamos ter que lidar durante duas horas. Uma história complexa e insana. A cada momento que passa mais confusa e mais surreal. Adensando até chegar a um final que desbaralha e explica de modo relativamente simples a trama. Um história de enganos, revelações, becos sem saída, ausência total de esperança, desespero e amor perdido. Negra como a noite e ainda assim com final feliz. Ou talvez não, depende de onde o vosso conceito de feliz se encontre no espectro da miséria humana.
Mais um exemplo da competência francesa e da sua capacidade de criar um bom filme para uma audiência mais abrangente quando quer. Um sinal de que cada vez olham mais para outros públicos, limpando dos argumentos as habituais private jokes e referências culturais incompreensíveis para quem more a mais de 150Km do centro de Paris. O que neste caso nasce de um modo bastante natural, uma vez que é daquelas raras ocasiões em que um bestseller americano é adaptado para um filme não americano.
Não é só a tensão que é de cortar à faca, uma vez que contenção não é o mote aqui. Rápido, imprevisível e suficientemente imersivo para nos manter em suspensão sensorial durante duas horas. É um filme para ver com atenção, saborear o detalhe e não ser constantemente interrompido por telefonemas, SMS ou por uma vizinha de saudável robustez em roupa interior a pedir se posso dispensar um pouco de açúcar.
Essa premissa inicial quase que cheirava a Silent Hill…
Obrigado pela sugestao. Como pseudo-francofono, estou sempre disposto, e á procura, de bons filmes franceses pra ver (embora eu goste das private jokes). Este já tá a sacar aqui no cometa…
O “pseudo-francofono” significa apenas que sou mais um filho de emigrantes nascido além fronteiras, no meu caso, na Suiça francofona. Daí estar mais ou menos bem familiarizado e me interessar por filmes da lingua.
Mas nao ha razoes pra panico, apesar do meu “pedigree” de emigrante suiço, eu juro que nunca tive (nem tenho desejo de vir a ter) um carro xuning com vidros fumados nem nunca usei pulseiras grossas ou colares de ouro com camisolas de alças! Nunca!