Todos nós odiamos os Estados Unidos da América como odiamos o nosso dealer, sentimos um revoltante repúdio mas não conseguimos deixar de consumir os seus produtos. Basta ver as notícias com regularidade para perceber que ideologicamente alguma coisa está diabolicamente distorcida do outro lado do Atlântico, seja porque houve mais um puto a dizimar duas turmas do liceu ou porque foi adoptada mais uma medida belicista de agressão externa para permitir que os preços do petróleo se mantenham constantemente em valores altíssimos. Apesar de ninguém resistir aos encantos belicistas deste belo povo que não abdica do ocasional incesto com fins reprodutivos, é na religião que aparecem as maiores barbaridades. O seu Deus é baseado num conceito muito elástico que se parece moldar perfeitamente em redor do seu modo de vida ao mesmo tempo que conjura as labaredas do sétimo patamar do Inferno para todos os que não concordem com o American Way of Life. E é este terreno pantanoso das barbaridades feitas à sombra da religião e de um Deus castigador que Kevin Smith nos apresenta, numa América profunda, ignorante e fortemente racista. Sem Silent Bob nem nenhum Clerk, apenas a frieza de uma fé punitiva e de uma guerra que põe frente a frente dois tipos de insanidade diametralmente opostos mas igualmente devastadores.
Kevin Smith, realizador balofo por quem tenho muito apreço por ser o autor de um dos meus filmes preferidos, senão mesmo o meu preferido: Clerks. Autor de mais 5 filmes que, com o Clerks, formam aquilo que se convencionou designar a sextologia View Askewniverse. Homem de imenso talento que se tem vindo a enterrar em obras menores, como tarefeiro de segunda categoria para os estúdios americanos. Ultimamente só tem feito horribilidades.
A cada vez que se espera um filme dele espero secretamente para que seja um bom filme, para que acabe de vez o feitiço deste badocha que tanto prezo. E este Red State foi um projecto que acompanhei de perto na fase de pré-produção. Na altura da estreia perdeu-se um bocado porque não houve apoio das majors e o filme foi exibido apenas em algumas salas americanas. Não fosse pelo facto de ser uma produção inteiramente digital, filmada em menos de um mês sob um apertado orçamento, teria sido um flop. Resumindo e concluindo, só o apanhei no “circuito alternativo” em glorioso HD.
Red State conta-nos a história de uma família fortemente religiosa nos Estados Unidos profundos, os chamados “red states”. Vivem numa quinta, isolados do mundo, e só saem para protestar em clínicas de abortos e para manifestações homofóbicas. E um dia três amigos têm um pequeno incidente que os leva a ficar aprisionados no meio deste clã psicopata e na missa desse fim de semana vão ser usados para dar o exemplo de como Deus não perdoa. Entretanto um conjunto de situações despoleta uma abertura de um inquérito policial que vai formar uma equipa de intervenção para um rusga à tal quinta.
Bom, inicialmente temi estar perante um torture porn simplório e cozido em lume brando. Assustei-me porque o torture porn é um área que não me agrava muito, apesar de ser um grande fã de cinema de terror. Ali a meio um conjunto de rápidas sucessões interrompe a brandura da narrativa e transforma o filme completamente, para um nível de imprevisibilidade de rara beleza. Aí senti orgulho de Smith, porque deu ali meia dúzia de voltas arrojadas que desafiam as leis do sagrado cliché.
E quando tudo parecia estar a acabar numa apoteose de arco íris e êxtase puro, eis que o final entra sem se fazer anunciado trazendo consigo um sabor amargo. Não gostei deste final pelo simples facto de que Kevin Smith tentou fazer outro malabarismo narrativo dentro do mesmo filme. E se no primeiro se safou, no segundo abusou.
Ainda assim foi positivo, porque Kevin Smith não foi a prostitua de serviço para nenhum estúdio nem teve que comer merda às colheres porque a crítica o acusou de Sell Out. Fez o processo inverso, que apesar de ter deixado este vosso escriba mais aliviado, não dever ter trazido grandes mais valias à sua carreira. Esperemos que siga esta via.
Rezemos agora todos juntos:
- There is no emotion, there is peace.
- There is no ignorance, there is knowledge.
- There is no passion, there is serenity.
- There is no death, there is the Force.
Epá, de uma forma muito resumida a minha opinão sobre este filme é que foi uma merda e o Kevin Smith espalhou-se ao comprido a fazer uma coisa mais que vista e a rápida sucessão de coisas imprevisiveis passou-me ao lado pq aquilo a mim pareceu-me cliché atrás de cliché. Mau filme e de um realizador que eu até acho piada, quanto mais não seja Às entrevistas pq desde o Jay e o Silente Bob que não me lembro de alguma coisA de jeito dele. Bem, ao menos comecei a ler o Planetary a seguir a ver o filme e tou a adorar 😀
Vê-se bem, mas não aquece nem arrefece.
Seja como for, do Kevin Smith vamos ter sempre o Clerks, o Perseguindo Amy (na minha opinião a melhor coisa que alguma vez fez, e possivelmente fará), e o Dogma. O que já não é nada mau!