“Faço minetes grátis”, escreveu ele no formulário do jornal que permitia pequenas mensagens na secção “Contactos”. Com a cabeça ligeiramente inclinada e a mordiscar a língua que pendia entre os lábios descaída para a esquerda, a confirmar subconscientemente a sua intenção, continuou “Sem pedir nada em troca. Garanto confidencialidade. Só meto dedo no rabo a pedido. Atreve-te a ser feliz!”. Sorriu ao entregar o papel à funcionária que franziu um esgar de encapsulada repugnância de quem se incomoda com o devassidão da mensagem misturado com a repulsa natural do próprio ser humano de prestar serviços não remunerados. No dia seguinte ligou-me. Chorava copiosamente e não se percebia bem o que dizia. Parei de mastigar os Cheetos que me serviam de pequeno almoço para tentar compreender aquela amálgama de má dicção com soluços e angústia. “Não publicaram, filhos da puta, [reticências] não publicaram o meu anúncio”. Plenamente confiante que estava a prestar um serviço útil e que a sociedade que pretendia servir lhe recusou violentamente os préstimos, suicidou-se meia hora mais tarde por asfixia auto-erótica vestindo apenas umas cuecas da irmã. Um desgosto para a família, uma vez que o mesmo jornal onde entregou o formulário para a secção “Contactos” publicou a foto na capa com o título “Jovem seropositivo homosexual com historial de drogas duras suicida-se em ritual satânico de zoofilia”. O anúncio dos minetes grátis foi publicado na mesma edição do jornal.
Tal como o meu defunto amigo, também Looper foi um filme que definhou de modo perfeitamente inglório por má interpretação dos cinéfilos provocado pela própria inaptidão do Rian Johnson em explicar de modo claro e objectivo os seus propósitos. Um filme com estas características deve ser apresentado de duas maneiras, ou claro como água para evitar os inevitáveis paradoxos ou imiscuído numa nuvem de duplas, triplas, quadruplas interpretações onde se disfarça a falta de capacidade narrativa com simbologia e metafísica relacionada com a nossa própria percepção da condição humana. Uma mistura das duas coisas é que não.
Além disso a parte final em “The Witness” style acabou por gorar as expectativas ao adiar o confronto do próprio com si próprio criando um anti-climax de tal modo poderoso que esfaqueou à traição a boa vontade de todos aqueles que faltaram ao trabalho e fugiram a compromissos familiares para poderem ver o filme em paz e sossego.
No entanto The Looper é um grande filme e merece uma segunda oportunidade, merece umas alterações na montagem, a pior maleita de que padece. Duas coisas poderiam ser melhoradas. O pacing devia ser equilibrado para ser todo similar à primeira metade e a ordem das duas cenas de chegada de Bruce Willis ao passado devia ser invertida, porque aí é que está o pior mal entendido de todo o filme.
A telequinese é outro aspecto perfeitamente dispensável, até porque o já complexo conceito de viagens no tempo de Looper era bem mais saudável bem a adição de aspectos paranormais, ainda por cima de modo tão essencial para a história e sua conclusão.
Ainda assim é uma boa plataforma de arranque para uma edição de realizador decente ou para uma segunda tentativa dentro do género, sem os elementos tóxicos que quase fizeram de Looper um semi “bela merda”.
Nota: Esta não pretende ser uma crítica completa ao filme mas sim um conjunto de notas temáticas à volta de uma mariquice. Aquilo que se convencionou chamar de “nada”. Um formato em expansão.
E ainda… Emily Blunt com caçadeira e sem caçadeira.
Esperava deste filme algo do calibre de Inception, que, apesar dos sonhos a qualquer instante e a qualquer preço, é um filme bem elaborado. Looper vai despencando aos poucos e, chega a um momento que se torna lento, monótono e sem sentido. Pontas soltas é o que mais tem.
Looper é passável, pois a decepção da década se chama Cloud Atlas e na minha humilde opinião, um filme pretencioso, pseudo-filosófico que explora superficialmente a cultura, a consciência e a vida dos personagens. Além de ser nos pegarmos assistindo um segmento essencialmente dramático e, num “piscar de olhos” passa a outro impregnado de situações cômicas e hilárias. Seria bem-vindo uma resenha do Cloud Atlas. Acredito que tens muito conteúdo para escrever sobre o mesmo, assim como as belas resenhas que aqui mantém.