As minhas expetativas iam a zero no que a Lady Bird concerne. O filme Francis Ha, escrito pela realizadora Greta Gerwig, está-me ainda entalado nas goelas como uma casca de milho da farsolice. Aquela treta do mumblecore que assolou o planeta há 5 anos e a sua celebração do desconforto social ainda me afeta hoje. Isto de confundir doenças mentais com coolness é algo a que nunca me habituarei. E ali estava eu, preparado para ver Lady Bird sem saber nada do filme além da sua abominável genealogia.
Num tempo de Instagram e da ilusão de felicidade, um filme destes faz todo o sentido. As dores do crescimento, a depressão pós-infância e esta incapacidade de manter o caldeirão hormonal de efervescer. Lady Bird aborda com realismo a fase mais complicada na vida de qualquer humano, a gestão da mudança e das curvas de aprendizagem, o maravilhoso mundo novo que é também uma casa dos horrores, uma floresta assombrada com perigos que se escondem no escuro, olhos que brilham nas trevas, prazeres impensáveis, os limites do controlo, as relações, as correntes que nos prendem a psique, um calendoscópio de paisagens emocionais.
E Lady Bird representa bem estes estados, sem se polarizar, sem extremar. Num tom sereno e agridoce aquece-nos o coração com a honestidade. Mais do que nos relembrar daquilo que fomos, avisa-nos para o que espera os nossos filhos numa época mais agreste que é esta merda das redes sociais e do estar presente e ausente em simultâneo.
A relação com os pais, maravilhosamente interpretados, é dolorosa e real. Assim como toda a gestão de relacionamentos, numa complexa e imperfeita teia. Não estou a imaginar um homem escrever com esta subtileza emocional, com este apego aos afetos e aos níveis de cinzento que nos assolam a mente. Talvez o mundo esteja a ficar imune à parte literária do grunge ao ponto de o poder voltar a suportar.
Muito me surpreende estar aqui a apaparicar um filme que à partida neguei por puro preconceito. De facto, as coisas boas da vida são estas, é um gajo ser surpreendido com estímulos suaves que não tenham a capacidade de criar ataques cardíacos porque já não vamos para jovens. Suaves palpitações.
Este filme sente-se como o capitão Kirk a acariciar um monte de Tribbles ou como a primeira vez que ouvimos um mogwai a cantar. Isto de um ponto de vista puramente conceptual, note-se.
Numa época em que já não esperamos ver obras primas todos os dias, já só nos basta que os filmes não sejam merdosos e baseados naquele template quase semanal que Hollywood vomita.
Agora vou ali comprar tampões e já volto.
Pode ser de estar já naquela idade onde a noitada já me massacra o corpo, mas o que mais gostei de ver neste filme foi o conceito de Consequência. A protagonista faz como bem lhe dá na cabeça, e por isso perde a melhor amiga e a mãe deixa de lhe falar (e bem). Há um filme de 2016 com uma temática semelhante, “Edge of Seventeen”, mas onde a protagonista é uma mimada estúpida que faz o que bem lhe apetece e não sofre absolutamente nada por isso. A família compreende tudo, o professor ajuda-a para lá do razoável, e o rapaz que ela andou a provocar com promessas de sexo não lhe deixa de falar (o que ele devia fazer, e bem).
Sim, é verdade. É a tal faceta realista. A consequência que a protagonista sofre e tenta redimir-se. Mas são coisas que demoram a curar. Aquela mãe fez um papel do caraças.