No dia em que fez 5 anos, Midnight Shiamané descobriu que o menino que com quem brincava desde a nascença era afinal um habilmente depilado orangotango que andava a ser treinado para um bordel em Minsk, como aliás o próprio Shiamané. Fugiu do infantário para logo perceber que era um orfanato nas traseiras de uma pizzaria romena que traficava orgãos e pianos para as minorias Urdu do norte do Botswana e na hora percebeu que a sua mamã era um tocador de harmónia Hindu cujos hobbie incluiam deixar crescer as unhas dos pés até encaracolar e jogar um jogo a que chamava “O termómetro de carne”. E aqui nasceu a natural inclinação para o twist.

A sua carreira, como tão bem sabemos, tem sido uma montanha russa trepidante que desce mais do que sobe. Um arranque pujante, na fase dourada à sombra do Sexto Sentido, até se perceber que era um ilusionista do copy-paste e do baralha e volta a dar. E eis que os cinéfilos do mundo se fartaram da sua fanfarronice e com o The Happening embate de frente contra o muro da desgraça ameaçando desaparecer para sempre. Não tendo o mundo essa sorte, Shiamané levanta-se das cinzas qual Fénix. Neste caso chamemos-lhe Fónix. Renascido como Fónix, Shiamané realiza The Visit autofinanciado com meia dúzia de milhões que encontrou no bolso de umas calças que iam para lavar. Empolgado pela tesão do desemprego prolongado, fez uma obra excepcional que não envergonha quem o realizou nem quem o vê. E assim Visit rende à bruta e relança Shiamané como um player no mercado do cinema internacional. Pega nos lucros e decide lançar-se no próximo projecto, um ambicioso filme que retrata as aventuras de um serial killer com 13 (ou qualquer coisa assim) personalidades. Um filme que também não é um embaraço mas que tem um final que é o equivalente a um maratonista que está prestes a bater o record do mundo quando cai num buraco para uma fossa céptica a 10 metros da meta. No final de Split, esse filme das personalidades múltiplas num único senhor, aparece Bruce Willis (spoiler) e percebemos que o filme se passa no universo de Unbreakable. E sente-se um calafrio na espinha, dizemos “Oh não Shiamané, não… Por favor, não faças isso. Não estragues nada… Vê lá se….” e antes sequer que consigamos acabar a frase é anunciado o próximo filme do ex-futuro-Spielberg como sendo um agregar de filmes para criar o SCU (Shiamané Cinematic Universe).


E eis que estreia Glass, o novo tomo da teoria unificadora Midnight que vem atar com cuspo, fitacola e agrafos os filmes anteriores numa tentativa de faturar imenso com o novo género cinematográfico “filme de baixo orçamento com boa campanha de marketing”.


Se a ideia é terrivel e vetada ao fracasso, a execução parece insistir em lhe dar esse triste fado, como murros na cabeça num deficiente profundo. Os três óbvios actos do filme parecem extender-se muito para além do que seria desejado e o sonso e langonhento ritmo do filme faz dele o candidato ideal para o filme oficial do dia internacional do bocejo. Aquilo que foi uma performance interessante de James McAvoy em Split, aqui soa a ridículo, a uma imitação desinspirada ao estilo de “what would Jim Carrey do?”. A narrativa é forçada e são tomadas todas as decisões possíveis no argumento. Falhou na vertente familiar dos personagens, falhou no romance, falhou na criação de um nefasto vilão e o incessante martelar no conceito dos comics já me causava caspa seborreica. Martelar é pouco, foi um injectar industrial em moldes falhados para criar um conceito que se torna irritante para aqueles 99.99% das pessoas que não são familiares dele ou cujo ordenado não depende do seu saudável relacionamento.
É, portanto, uma oportunidade perdida de Shiamané se reerguer como um gigante adormecido. Certamente irá regressar para nos massacrar mais meia dúzia de vezes, batendo com este conceito na cara dos cinéfilos por esse mundo fora como uma truta nas mãos de Ordenalfabetix enquanto espanca o Cetautomatix no mercado da aldeia de irredutiveis gauleses do Asterix.