Há filmes que são o equivalente a papel higiénico reles que se faz passar por produto de qualidade, seja pela embalagem ou pela publicidade enganosa. Aquele papel higiénico que cria confiança excessiva no utilizador que no acto de limpar o rabo, confiante na qualidade da fibra celulósica, aplica um pouco mais de força para reforçar a limpeza, furando as falsetas folhas e enfiando um dedinho na merda. 400 Days é isso, mas em filme.
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2015. Um homem dos tempos modernos, com infindáveis afazeres profissionais e domiciliários, precisa do ocasional relax. Não me refiro a desfolhar o jornal local e telefonar à Martinha Quarentona nova na cidade de peitinhos XXXXL e bumbum guloso. Refiro-me ao retiro ocasional num templo de meditação que é um cinema. Ora, numa dessas fugazes submersões no mundo alcatifado dos multiplexes encontrei um velho conhecido. O pai de um grande amigo que se reformara há meia década, um veterano da vida excitante das embaixadas e da intriga internacional. Apesar de ser uma pessoa com quem mantenho bastante contacto e até algum intercâmbio cultural, não o sabia cinéfilo. Faltava algum tempo para o filme e falámos um pouco acerca da cinefilia e das seus efeitos a médio e longo prazo. Familiarizado com mais de meio século de vagas cinematográficas, perguntei-lhe que filmes prefere ver. Os clássicos do existencialismo sueco de Ingmar Bergman? Os heróis da Nouvelle Vague que viu às escondidas no tempo de faculdade? A visão intemporal sobre a boémia decadência da civilização ocidental de Woody Allen? Os movie brats da Nova Hollywood? Fez-me uma cara feia, como quem chupa um limão, levanta as mãos e sorri com aquela cara de quem olha complacentemente para um atrasadinho. “Que horror, Pedro! Eu só vejo filmes de amor. Não preciso de mais nada nesta fase da minha vida, só romances e as conquistas do amor. Esse cenários exotéricos da ficção científica, o hiper realismo e essa violência toda são para os jovens que precisam de viver experiências para se desenvolverem. Eu estou mais perto da morte que da vida, só quero amor e finais felizes.” Arqueei as sobrancelhas e pensei “Caralho do velho tem razão e agora pareço um parolo do Toca Toca Béu Béu*…”
A moda cinematográfica do momento é a Bíblia. A Bíblia em 3D. A Bíblia em 3D com imenso CGI. E jovens semi-nuas, só para não alienar o público ateu, agnóstico, stoners, pedófilos, sodomitas e membros do clero em geral. O fabuloso “The Fist of Jesus”, filme já abordado por mim e por outros apóstolos em conversa casual de facebook, aproveita a onda e inicia um crowdfunding para tentar extender esta obra para um patamar de reconhecimento global em versão longa metragem sob o nome de “Once Upon a Time in Jerusalem”. Mas afinal que de que trata esta heresia do “Fist of Jesus”?
Numa altura em que o marketing corporativo dos grandes estúdios de cinema faz lobby constante para passar a ideia de que a qualidade de um filme se mede pelo orçamento e box office, já poucas são as pessoas que se aventuram por obras de orçamento reduzido temendo que a equação hollywoodiana da relação/qualidade tenha alguma veracidade. Mas o certo é que não tem. A capacidade de encantar o cinéfilo com um bela narrativa nada tem a ver com o orçamento e os meios envolvidos. E uma prova desta afirmação é o fabuloso filme The Man From Earth, um filme que ficção científica que conta a mais cativante história de sempre. É passado numa sala e consiste num amigo que conta a sua história de vida aos seus amigos. Só diálogos e imaginação para criar a “greatest story ever told”.
Há coisas que não fazem sentido. Usar a expressão “email de casa” para definir uma conta de correio electrónico que pode ser acedida em qualquer parte do mundo é uma dessas coisas. Roupa para cão, gravatas, distribuidores automáticos de tostas mistas, strapons, double dongs e religião. E podia continuar o resto do dia. No entanto aprendemos a conviver com elas e se para nós já é normal ver um filme como Pretty Woman em que uma puta de rua, cheia de Sida, se transforma numa princesa ao encontrar o amor sob a forma de um abastado cavalheiro que não interessa pelo seu passado, porque não acreditar que um pneu pode ganhar vida com poderes telepáticos com o intuito de ser um serial killer?
Para quem conhece Takashi Miike, as palavras “bizarria” e “demência” são bastante familiares. A estrutura deste filme acaba por se assemelhar bastante ao filme Spirited Away (A Viagem de Chihiro), mas em vez de ser para crianças é para alucinados e cinéfilos com tomates. Há um tipo que desaparece e o seu amigo faz uma fantástica viagem em busca do seu corpo. Nessa viagem conhece uma mulher que comercializa o leite dos seus próprios seios, um homem com uma estranha doença de pele que parte o pescoço ciclicamente, um medium poderoso que só funciona quando lhe açoitam o rabo com um chicote, um tipo com cabeça de vaca, um parto fora do comum ou mesmo um senhor que quando acorda é uma senhora… E isto é apenas a parte convencional do filme.
Zombies Nazis. O que é que neste conceito pode falhar? Nada, obviamente. Um país famoso pelo arenque, bacalhau e a fabulosa qualidade de vida que aparece sempre no telejornal a cada vez que se fala que Portugal é uma desgraça de país, seria a improvável pátria de um dos melhores filmes de zombies que vi ultimamente. Mas depois pensamos nas bandas de Black Metal satânico, nas taxas de suicídio e naquela gaja dos Abba* que nunca depilava os sovacos e tudo faz sentido.
Os franceses iniciaram há uns anos uma nova vertente do cinema de terror hiper-realista de violência extrema, em que se colocam situações de fácil identificação para quem os vê. O último de que aqui falei foi Martyrs (2008). São filmes que fogem aos clichés do típico slasher, zombie, casa assombrada, gore e quando damos por ela já não há espacinho nem para colocar um quadro com tanto sangue. Mas numa linha de contínuo sucesso há-de chegar o dia em que se meta um pé na merda e se crie um produto profundamente desinteressante, com a utilidade de um acordeonista em chamas.
Inspirado que fui por um email do Dermot, trago-vos a minha lista de filmes de baixo orçamento. Incompleta, como todas as listas que se prezem, mas honesta. São 10 filmes que souberam gerir a ausência de capital para ainda assim criarem obras de relevo. Alguns nem de limões precisam para fazer limonada. Às vezes tão simples como ser astuto na escrita ou manusear a câmara de maneira pouco ortodoxa, outras vezes usar a cozinha da mamã para criar efeitos especiais de qualidade surpreendente. E sem mais demoras, vamos para o número 10.
10 – Eraserhead (1976) – David Lynch
Filmado a preto e branco, minimalista e sob uma desconfortável e constante banda sonora industrial, é uma verdadeira orgia de surrealismo. David Lynch fez a festa com meia dúzia de tostões e os cinéfilos mundiais à procura de novas sensações e conceitos adoraram. Vi este filme em Coimbra, no tempo das salas de cinema majestosas acompanhado por 7 pessoas que no final do filme eram só 3. Foi a primeira vez que vi um homem assumir a paternidade de um frango assado. E talvez tenha sido também a última.
O vírus das vacas loucas sofre uma mutação e é passada para a raça humana através de uma vaca enraivecida e diabólica. Dois turistas perdem-se na Irlanda rural e, num bizarro acidente, acabam por se encontrar rodeados de zombies. Cabe a Desmond, o coveiro local, ajudar a bela Helena numa luta de morte ou… morte. Mas sobreviver no campo infestado de zombies não é fácil, pior ainda quando um exército de vacas zombie (loucas, of course) ameaça encurtar substancialmente a vida aos nossos amigos. Conseguirão eles escapar a esta situação complicada? O que é que isso interessa? Desde que haja carnificina zombie de série B, numa produção quase caseira, recheada de humor negro!…
21 anos depois de Bad Taste de Peter jackson, eis que nos chega mais uma pérola do cinema de terror neozelandês ultra-low budget. Com um orçamento de 5 dígitos apenas, Last of the Living compensa em sentido de humor e frescura o que lhe falta em meios. E voilá, estamos perante uma nova estirpe de filme de zombies, o filme “quase sem zombies”.
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