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Date Night (2010)

Um homem montado num burro entra numa aldeia do sul de Espanha. Estamos em finais de Maio de 1765 e é de noite. Sobe ao palco na praça da povoação e começa a discursar. “No futuro as mulheres terão os mesmos direitos que os homens. Num casal haverá partilha das tarefas domésticas. E as mulheres terão mais poder dentro de casa que os seus maridos.” O silêncio abate-se sobre o povo incrédulo. De repente uma pessoa começa a rir-se lá atrás, depois outra, depois um pequeno grupo do lado direito e de repente toda a aldeia rebola num riso contagiante. O homem no palco, irado, abre uma mala brilhante e retira um estranho paralelepípedo que aponta para um lençol branco. Imagens de demónios saem projectadas no tecido e o silêncio volta a abater-se sobre a aldeia. Um cão ladra ao fundo e uma criança chora, desamparada por uma mãe hipnotizada pelas imagem que saem numa luz de dentro de uma caixa do Demónio. O homem no palco sorri orgulhoso enquanto rolam os créditos iniciais de Date Night, uma obra do futuro que haveria de estrear em 2010, caso não houvesse nenhuma anomalia no contínuo espaço-temporal.  Passados 15 minutos o homem e o seu burro estavam amarrados a uma trave de castanheiro , em cima de uma pilha de lenha com o objecto projector de demónios enfiado no cu. Dois lenhadores com cheiro a javali fermentado aproximam um archote da pilha e um coro entoa em latim uma ladaínha monocórdica. Antes de perecer para sempre nas chamas purificadores o homem pergunta “Porquê? Isto é ciência, é óptica. Não ofende o Senhor!”. Um sacerdote aproxima-se dele e sussura-lhe ao ouvido”Já tínhamos visto. Em VHS!

É inglória a escada para o sucesso. Steve Carell e Tina Fey são duas das pessoas mais talentosas do entretenimento actual norte-americano. Dentro do seu nicho fazem aquilo que só eles conseguem fazer. Carell fez o Daily Show with John Stewart ainda mais engraçado, como se isso pudesse ser possível e Tina Fey será sempre uma incontornável actriz, quanto mais não seja por ser uma Sarah Palin perfeita no Saturday Night Live.

Mas quando as pessoas saltam do SNL para o cinema corre sempre mal. Pegar em actores fabulosos nos seus nichos e fazer a sua projecção no mainstream, num filme que deva agradar a todos, ou pelo menos que lhes saque 6 euros mais pipocas (e bebidas), não é uma coisa bonita de se fazer. Sim, eles apreciam o dinheiro, mas nós sentimos a sua dor, ao ver as figuras de prostitutas mediaticas que fazem para ganhar uns trocos.

Date Night é um date movie para casais com filhos, que só por si é uma descrição tão decadente que pode ser catalizador de divórcio. É um sketch SNL oblongo que não aquece nem arrefece. O mais engraçado são os out-takes dos créditos finais, o que diz muito acerca de uma comédia…

8 Comments

  1. João Lameira

    O problema das comédias é mesmo esse, pega-se em óptimos comediantes como o Carrell e a Fey e tenta agradar-se a todos, e normalmente o resultado é tépido como este. Quantos vezes um gajo não ouve falar muito bem deste ou daquele comediante, e como não viu mais do que os filmes dele, fica a pensar que os elogiadores são malucos, só quando os vê num espectáculo de comédia a sério é que percebe. Estou a pensar no Chris Rock, por exemplo.

  2. cine31

    A intro deste texto dava um belo episódio da Twilight Zone 🙂

  3. ArmPauloFerreira

    “movie para casais com filhos, que só por si é uma descrição tão decadente”…
    Foi forte esta. Foi xunga. Ainda bem que não enxovalhas demasiado os coitados dos casais com filhos… tal como eu por exemplo.

    A vida evolui e casar e ter filhos é natural… mas isso não significa que se deixe de gostar de filmes de mais categoria e só se vejam estes. Mas há uma realidade que admito: quando era solteiro via somente a minha “cena”, com ela (namorar ou depois de casar) temos também de saber acompanhar nos outros géneros (que até gosto de ver – aprende-se a perceber estes filmes) e com filhos muito menores as escolhas têm de ser muito polidas e sem nada de cenas fortes pois são eles impressionáveis.
    Eu bem que quero meter o “Predators” (2010) ou os de terror serie B que adoro… e simplesmente não posso ver quando mais gostaria. Tem de ser pelas madrugadas adentro… E mesmo em filmes aparentemente mais discretos, quando surgem as cenas em que surge uma boazona com as mamas à mostra (ai Hot Tub Machine…) ou em pleno acto (o verdadeiro cinema de acção em riste), a coisa tem de ser imediatamente avançada com rapidez… nem dá para se desfrutar das cenas mais entesoasmantes.
    Ó Pedro, não nos batas muito pois já sofremos de caralho!
    Já basta ter de ver certas animações repetidas vezes sem conta…

  4. Roberto Queiroz

    O elenco gerou o meu interesse pelo filme (que nem é essa coisa toda!). No geral, vale apenas como um entretenimento leve.

  5. Rui

    excelente intro Pedro 🙂

  6. pedro

    Calma rapaz, não foi isso que quis dizer. A descrição decadente é “filme para casais com filhos”, não é, casais com filhos. Eu próprio faço parte de um casal e tenho filhos. Quer dizer, tenho um mas o número está prestes a duplicar. E como eu te compreendo. As artimanhas que um gajo tem que fazer para ver um filme de boa e velho ultra-violência. Eu próprio sou uma enciclopédia ambulante de Canal Panda…

  7. ArmPauloFerreira

    Podes crer… E tenho dois que dão bem que fazer. É canais Panda, disney, baby tv… e há mais filmes deles em DVD e no disco que filmes para mim… mas ao menos ainda os ponho a ver boas escolhas e tal.
    É a vida!

  8. Dora

    Sabes que aquela parte onde eles estão à mesa a inventarem o que cada casal diz, foi completamente improvisado. Isso e o strip.

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