Já agora, sabiam que a famosa cena em que Schwarzenegger transporta um tronco às costas foi filmada num único take. O tronco pesava mais de 50 kg e Schwarzenegger carregou-o mais de 50 metros com a frescura que se vê no filme.
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Pedimos a todos os realizadores para nos mandarem um videozinho para servir de introdução ao respetivo bloco. Concordaram e fizemos uns separadores bem catitas com os nossos amigos a debitar conhecimento antes da sua hora. Ricardo Machado, Luis Alves e Francisco Lacerda contribuíram assim para o aconchego especial deste momento. Bigas Luna, infelizmente, não respondeu ao repto deixando-nos pendurados. Falta de respeito daquele espanhol que, certamente, estará a vender caramelos no além.
Por fim veio a resposta do Filipe Melo. “Não gosto de me ver em video. Nem falar. Pode ser um texto?”. Ora essa, aquele jeitosão que toda a genta adora? Como não gosta? “Vá lá Filipe, não custa nada!”. “Népia!”, respondeu. Sem usar a palavra Népia, claro, que é um homem de cultura. E ainda sugeriu “Mando um textinho, pode ser?”. Senti um *gulp* a aparecer-me na garganta na medida em que sabia a resposta à pergunta que ia fazer “E quem vai ler esse texto?”. Filipe finaliza com uma Fatality “Tu!”. “Jesus H. Cristo!”, pensei. “Já me fodeu!”. Acabei por ficar descansado, porque estava quase a chegar o dia e o texto estava esquecido. “Já me safei. Esqueceu-se de mandar o texto. Yey”. Mas no dia 3, na azáfama do festival, vem a Carla Rodrigues encostar-se ao ouvido e diz “Falei agora ao telefone com o Filipe Melo e ele diz que te vai mandar um texto para leres, ok?”. Fiquei um bocado ansioso, estava ali tanta gente, meu deus. Ainda pensei que provavelmente não haveria tempo, havia que seguir com a sessão. *gulp*. Não queremos interferir na cirúrgica calendarização, o Carlos falecia com tanto atraso. Mas a Carla pega no megafone e diz a toda a gente “Hey pessoal, *som de feedback*, o Pedro vai ler o texto do Filipe Melo, Ok?” Ok?”. E ficou assim definido que eu, Pedro, o amigo imaginário de meia internet que tanto preza ficar nas sombras, teria que enfrentar aquela centena e meia de pessoas e ler o texto do Filipe Melo. Colocarei o texto mais abaixo.
Continue readingA grande novidade do Nalgas Film Festival 2022 foi a inclusão de um grande convidado. Depois de meses de negociação, trocas avultadas de géneros, gado caprino e dinheiro vivo enrolado em elásticos, logística complexa para evitar que a sua multinacional encerrasse ao sábado, o Sr. Joaquim anuiu em comparecer como convidado de honra. À porta, alto e espadaúdo, pimpão, calças vestidas, fazia a recepção cerimonial dizendo aos convidados “bem vindos a casa”. Esta imagem de tamanho real foi criado pela Carla Rodrigues, a mãe do Sr. Joaquim, com as suas maravilhosas mãos de ouro que enaltecem o património das Nalgas. Também ela, a Carlucha, esteve presente no evento com estatuto de Nalga Dourada. Acabou por levar o Sr. Joaquim para casa ao final da noite, deixando o seu namorado, o Pedro, a dormir no sofá. Ninguém pode julgar porque todos nós faríamos o mesmo perante o apelo animal e a atração selvagem que emana hormonalmente pelos poros do Sr. Joaquim.
Continue readingAndava aí um filme de terror, que apareceu a voar baixinho por debaixo dos radares, a fazer furor nas salas. Sou daquelas pessoas que dá logo dinheiro a um gajo de aspecto drogado para apanhar o autocarro porque perdeu a carteira ou compra toneladas de produtos em esquemas de pirâmide, mas nisto dos filmes fico muito apreensivo. “Quem são estes agora para me convencerem que o filme é bom? Na volta é malta que acha que Inception é uma matrioska de conceitos, ideias ou situações em vez da criação de algo.” E quando finalmente decidi ir vê-lo ao cinema, depois deste processamento todo, já tinha saído de sala. Há 4 meses.
Continue readingNa viragem do século, metade dos internautas ficava a teclar noite adentro em salas virtuais com pessoas que conheciam apenas pelas palavras que liam. Muitos se apaixonaram, muitos se enervaram, muitos sonhavam com os imaginários technicolor 4D de realidade aumentada saídos daquelas sessões text-only. E o que se ouvia mais, e que não era exagerado, era que se calhar essa Marta de 19 anos que gosta de livros de Douglas Coupland, discos dos Massive Attack e chocolate quente ao nascer do sol é afinal um mecânico suado de 45 anos e costas peludas chamado Armando. E por vezes assim acontecia. Nos dias que correm o perigo ainda é mais bizarro. Será que as pessoas com quem interagimos na Internet são realmente pessoas? Ou serão bots de inteligência artificial a fazer-se passar por humanos? Questões para levar a sério. E daqui a 20 anos? Qual será o perigo? Serão Aldacianos de Turis 24 da galáxia Nervusis a influenciar as nossas opiniões acerca da mineração das luas de Kiroa 2 em Alpha Centauro? Serão macacos evoluídos que preferiram a revolução digital à revolução a cavalo na ponte de São Francisco? Ou a tecnologia de comunicação tornou-se tão sensível ao ponto dos fantasmas que palmilham o limbo poderem agora interagir com humanos via wireless, fazendo-se passar por uma esteticista chamada Rute Juliana que até manda fotos convincentes da pachacha lisa como a careca do Jean Luc Picard?
As minhas expetativas iam a zero no que a Lady Bird concerne. O filme Francis Ha, escrito pela realizadora Greta Gerwig, está-me ainda entalado nas goelas como uma casca de milho da farsolice. Aquela treta do mumblecore que assolou o planeta há 5 anos e a sua celebração do desconforto social ainda me afeta hoje. Isto de confundir doenças mentais com coolness é algo a que nunca me habituarei. E ali estava eu, preparado para ver Lady Bird sem saber nada do filme além da sua abominável genealogia.
Haveria de passar uma semana até saber o que o destino havia guardado para o futuro do cinema. Mas naquela noite, ao início da madrugada de um tempo em que apenas existia para mim a sessão da meia noite, naquela noite fresca e convidativa para a juventude se abandonar à conversa casual e das certezas absolutas dos 20 aninhos, naquela noite tinha saído do Cineteatro Avenida em Coimbra onde vi o Last Action Hero. Os meus olhos brilhavam como uma teenager de Anime e o coração batia forte. O último filme de Arnold Schwarzenegger era um marco incontornável no cinema e na carreira do meu action hero preferido. Arnie reinventou-se numa altura em que toda a gente se perguntava “E agora? O que vai Schwarzenegger fazer quando já chegou ao pináculo?”. Bom, e foi assim que se reinventou num meta filme dentro de um filme dentro de um filme a olhar de fora para dentro e, simultaneamente, de dentro para fora, e dos lados e de cima para o cinema. Inverter a estrutura, partir a 4ª parede e criar a 5ª dimensão.
Numa época pós-reality TV, do direto e da reengenharia do realismo as pessoas começam a confundir-se com o que é a realidade. O que é uma narrativa realista, estamos perante algo plausível ou é uma fantasia sexual encapsulada e reprimida de um argumentista drogado? É demasiado polido para ser um relato do quotidiano? “As peças narrativas encaixam demais? Já me enganaram estes malandros.” E por vezes andamos nisto, neste ping pong do pós-neo-pré-meta-ultra-hiper-micro realismo. E claro, como tudo o que discute hoje não tem interesse nenhum. É o discurso estéril destas redes que nos aprisionam a conversa num curral que parece não ter portas nem janelas, onde o ar entra filtrado. Daí existir esta necessidade de falar um pouco de Three Bilboards não sei quê… Deixa googlar Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.
O efeito Mandela é um chavão usado muito na Internet para definir aquelas situações em que nos lembramos erradamente de coisas que nunca existiram, como se existissem num universo paralelo. Foi assim baptizado porque se associava a pessoas que se lembravam vividamente que Nelson Mandela teria morrido na prisão. A mim aconteceu em duas situações recentemente e sempre relacionadas com cinema. A primeira foi ao ler o livro Ready Player One. O nosso protagonista citou a expressão “Oh my God it’s full of stars” dizendo tratar-se de uma frase do filme 2010. Ora, que raio! Tinha quase a certeza que era do 2001. A frase que o Dr. Dave Bowman diz ao entrar no campo estrelado como novo humano no final do filme. Curiosamente aparece no livro, que também li. Aparece depois em maior proeminência no 2010, livro e filme. Ah caraças, andei a citar mal toda a minha vida.
Não é raro que alguns prodígios de áreas técnicas de Hollywood assumam o leme de projectos pessoais de modo a poderem expandir as suas capacidades, em vez de ficarem à mercê dos realizadores. Não costumam ser projectos rentáveis mas são quase sempre divertidos e memoráveis. Como Dark Crystal de Jim Henson e Frank Oz, Maximum Overdrive de Stephen King e este Pumpkinhead de Stan Winston.
Não há nada pior na vida que um gajo sentir-se um bardamerdas. Um gajo perceber que é um resto de uma bosta de cão agarrado à sola desta gigantesca bota cósmica onde viajamos pelo espaço/tempo. Talvez nem um resto de bosta sejamos, reavaliando a metáfora será mais apropriado dizer que somos um electrão de um átomo de carbono de uma molécula que compõe esse minúsculo pedaço de bosta. Como desejamos ser um pedaço de bosta a sério ou, sonhando muito alto, uma bosta inteira numa sola da bota celestial na qual estamos agarrados a viajar pelo espaço/tempo. Para que a humanidade possa sentir-se melhor existe a ficção e dentro da ficção o cinema. E dentro do cinema aquilo de que vos vou falar a seguir.
Um dos exemplos que dou com mais frequência para ilustrar o aumento do custo de vida nos últimos 25 anos é a ida ao videoclube. Quando era jovenzito era bastante comum estar em casa à sexta, pedir ao meu pai para me levar ao videoclube para escolher um ou dois filmes. Domingo à noite lá estávamos para o devolver. O custo no orçamento familiar de uma destas operações era muito baixo, praticamente não se contabilizava o preço da gasolina. Estamos a falar de distâncias que podiam ir dos 35 aos 40 Kms, ida e volta. Hoje, se ainda existisse essa sagrada instituição que é o videoclube, o preço seria diferente. Vamos dar aqui um valor de 3.5€ por filme. Num carro normal, prevendo metade desse circuito em cidade, o valor do combustível seria aproximadamente 6 euros. Muita coisa mudou, coisas boas que nos aumenta a qualidade dos visionamentos. O que não existe já é ansiedade boa da antecipação de ir buscar os filmes. Sniff… Adiante, falemos de filmes.
Tenho um amigo de infância que bifurcou ali no início da vida adulta para uma religião que fez dele um gajo um bocado demente. Continuou o mesmo, mas as doutrinas religiosas carregaram-no de culpa e de falta de auto-estima. O gajo bebia uns copos, fumava um fininho ou via uma jeitosa de bela padiola que lhe causava tesão e ficava todo complexado. Tinha falhado em relação aos seus votos. Um homem de religião que abominava a ciência, que seria o nosso fim. Coisas que dizia mas que não devia acreditar. Ora, um dia arranjou uma namorada. Eram um casal normal. Fodiam contra as regras da igreja e ele foi-se habituando ao peso do pecado. Apanhei-o na praia com ela. A gaja não era má, mas saiam-lhe pintelhos pelo lado das cuecas do bikini. Falei-lhe nisso e ele respondeu-me que ela tinha uma anatomia vaginal muito complexa, que não havia maneira de lhe aprumar o arame farpado sem lhe arrancar uma febra conal. Calei-me, porque um homem não comenta abertamente a febra conal da namorada do amigo. Largos meses depois voltei a cruzar-me com ele e pareceu-me diferente. No decorrer de um daqueles quentes momentos de meter a conversa em dia revelou-se a favor da ciência e da tecnologia, que havia coisas que o andavam a cegar. Que tinha decidido ser menos radical. A namorada teria ido a uma daquelas depiladores laser que lhe rapou a cona toda, estilo menina de 8 anos, e o gajo até chorou nessa noite. Um milagre da ciência que o fez ver a luz, neste caso uma luz pulsada muito concentrada sob a forma de laser inteligente que arranca pintelhos.
Final de Outono de 1986, Quarta-feira, noite húmida e fria sem chuva. Fui o primeiro miúdo da minha rua a ter um videogravador e não tive que esperar muito para que um amigo seguisse o meu caminho. A partir daí criámos um poder avassalador, desconhecido nas redondezas até à data: copiar filmes do videoclube para os podermos manter até ao final dos tempos na nossa posse. E com isto começou a minha obsessão. Qual curador do MoMA, fui catalogando o produto daquela primitiva pirataria e comecei a fazer trailers dos que mais gostava. Ora, a minha ideia de trailer era meter as melhores partes em segmentos que podiam ir dos 2 aos 5 minutos. Normalmente de filmes hiperviolentos do pós-apocalipse e sempre com decapitações e intestinos expostos. Um dia chegaram à aldeia duas primas de Lisboa de um amigo que pensou que seria boa ideia, para as impressionar, irem a minha casa ver um filme do cinema. “O gajo tem lá filmes que podes escolher e ver o que te apetece. Até podes parar para ir fazer um xixizinho.” As sofisticadas jeitosas da metrópole sentaram-se e eu meti então a minha cassete de trailers para que pudessem escolher. Pensava eu, nos meus modestos inexperientes 14 anos, que os meus gostos eram os mesmos de toda a gente e se eu achava que era bom, todos achavam. Bem, erro fatal. Começaram a passar os clips de 2020 Gladiadores do Texas, Os Salteadores de Atlantis, Os Implacáveis Exterminadores e She A Raínha da Guerra e do Amor. E aquilo era tudo à base de freiras a ser violadas, motards decapitados, setas a atravessar crânios, pessoas trespassados por carros com espigões e muita gente a ser queimada com lança-chamas. Material do género deste post que publiquei há uns anos – The New Barbarians (1983) – Walkthrough. A cassete não chegou ao fim e a última frase que ouvi antes do bater violento e apavorado da porta da rua foi “Credo, que só cá tens cabeças!…”. Todos nos rimos nervosamente em tom jocoso com aquele desconhecimento que os rapazes adolescentes têm acerca das mulheres, e que continuam a ter até ao dia em que lhes ponham uma campa em cima. E perdemos a oportunidade de uma bela tarde de marmelanço e apalpanço, porque elas não queriam realmente ver filmes, queriam um lenho túrgido da província para afagar por cima das calças enquanto ficavam com os queixas dormentes de tanto intenso linguar.
Chegou aquela altura do ano, aquela época festiva em que somos obrigados a engolir filme atrás de filme antes da cerimónia dos Oscars. Janeiro, um tímido e curto mês para enfardar biopics, “based on a true story”, aleijadinhos, entrevados, deficientes, o primeiro gajo a fazer não sei quê, a história cativante da primeira mulher a aventurar-se num submundo manhoso de homens, o regresso de um actor enterrado no entulho há vinte anos, a tentativa anual do Leonardo DiCaprio de ganhar um Oscar, as piadas à volta disso, aquele blockbuster caríssimo que é nomeado a três categorias técnicas e só ganha melhor som, uma criança que pode ou não ganhar e surpreende todos com um discurso inspirador, um blockbuster disfarçado de art-house que os parolos confundem e o filme do ano do Alejandro González Diñeiritu. E temos mesmo que os ver agora, porque senão só daqui a dois anos na caixa do 0.99 do Jumbo.
Ao trigésimo dia do mês de Novembro do ano do Senhor 2015, eis que me vejo incumbido de cumprir o honroso dever cívico e patriota de assistir ao documentário do Capitão Falcão e do excelso Presidente António. Um documentário que transforma jovens desmotivados em ferramentas da nação, explicando com seriedade e clareza o que é ser um verdadeiro português, inatingível por qualquer arma, seja de raios ou de ideias. É certo que me senti desconfortável ao ver-me rodeado por jovens barbudos, indumentária desportiva casual que não honra a pátria, um nauseabundo cheiro a sovaco e de semanas inteiras a usar os mesmos piúgos. Que estaria tão nefasto exército de comunas a fazer naquele sacro santo documentário? Seria um golpe em preparação? Havia até mulheres que se riam descontroladamente fazendo com que as seus bojudos seios abanassem descontroladamente pela falta de decoro de não usar soutien. Como duas montanhas horizontais de robustez carnal. Mulheres de calças que se encontravam acompanhadas por outras mulheres, certamente tinham na boca ainda com o sabor ácido de quem passou o jantar a brincar aos ginecologistas manetas. Assustado não estava, porque o vigor lusitano que em mim corre trataria de desfazer qualquer rebelião com meia dúzia de chibatadas do meu cinto da serra da estrela, curado por pastores nacionais e feito de gado lusitano.
Este fim de semana perguntei à minha filha de 5 anos se queria ver o Commando comigo. Ela, formatada pelas opiniões da mãe, parte do princípio que todos os filmes que o pai vê são horríveis pastas de terror, morte, cocó e xixi (mas com menos piada). Ora, tive que puxar por mim para a convencer e expliquei-lhe que o filme seguia a seguinte narrativa:
O rei Matrix e sua filha, a princesa Jenny, moram no mais belo castelo no alto da mais alta montanha. Passam o dia a passear pelas frondosas florestas de castanheiros a brincar com os animais e a comer gelados. Ocasionalmente o rei finge estar distraído e a princesa Jenny suja-lhe o nariz com gelado caseiro de mirtilhos. Um dia o bondoso rei deu folga a todos os soldados para que possam passar o feriado do reino, o Festivus, com a sua família. Nesse mesmo dia, aproveitando o rei e a princesa estarem a fazer cupcakes de morango, o invejoso feiticeiro Bené invade o castelo. O corajoso rei consegue bloquear a invasão e manda alguns ajudantes o maléfico feiticeiro para o céu dos maus. No entanto o feiticeiro consegue enganar o rei e rapta a princesa. O rei, furioso, promete apanhar o maléfico feiticeiro e dar-lhe uma valente tareia.
2015. Um homem dos tempos modernos, com infindáveis afazeres profissionais e domiciliários, precisa do ocasional relax. Não me refiro a desfolhar o jornal local e telefonar à Martinha Quarentona nova na cidade de peitinhos XXXXL e bumbum guloso. Refiro-me ao retiro ocasional num templo de meditação que é um cinema. Ora, numa dessas fugazes submersões no mundo alcatifado dos multiplexes encontrei um velho conhecido. O pai de um grande amigo que se reformara há meia década, um veterano da vida excitante das embaixadas e da intriga internacional. Apesar de ser uma pessoa com quem mantenho bastante contacto e até algum intercâmbio cultural, não o sabia cinéfilo. Faltava algum tempo para o filme e falámos um pouco acerca da cinefilia e das seus efeitos a médio e longo prazo. Familiarizado com mais de meio século de vagas cinematográficas, perguntei-lhe que filmes prefere ver. Os clássicos do existencialismo sueco de Ingmar Bergman? Os heróis da Nouvelle Vague que viu às escondidas no tempo de faculdade? A visão intemporal sobre a boémia decadência da civilização ocidental de Woody Allen? Os movie brats da Nova Hollywood? Fez-me uma cara feia, como quem chupa um limão, levanta as mãos e sorri com aquela cara de quem olha complacentemente para um atrasadinho. “Que horror, Pedro! Eu só vejo filmes de amor. Não preciso de mais nada nesta fase da minha vida, só romances e as conquistas do amor. Esse cenários exotéricos da ficção científica, o hiper realismo e essa violência toda são para os jovens que precisam de viver experiências para se desenvolverem. Eu estou mais perto da morte que da vida, só quero amor e finais felizes.” Arqueei as sobrancelhas e pensei “Caralho do velho tem razão e agora pareço um parolo do Toca Toca Béu Béu*…”
A tecnologia avança de modo vertiginoso, descontrolada, eufórica… Uma corrida desenfreada que já dura desde que DaVinci alinhou umas rodas dentadas debaixo de uma pele de cabra. Vivemos num tempo de imprevisibilidade tecnológica, milhões de engenheiros e cientistas a trabalhar, coordenar esforços, em busca do santo graal tecnológico: um robot com entrefolhos correctamente anatómicos que se possa foder. Será a empresa que o criar que poderá controlar o planeta, mudar regimes, criar estratégias globais. Quem entre nós não apreciaria ter um parceiro sexual topo de gama que tivesse um botão de off e esperasse o sono do amado para actualizar o firmware na pacatez da noite? Depois de engomar camisas e lavar as bancas da cozinha. E é por aqui que a nossa psique colectiva alinha o progresso da humanidade.
O hype é a unidade que os cinéfilos usam para quantificar a expectativa que antecede um filme. Bem, na realidade hype pode ser traduzido directamente por expectativa, mas por vezes precisamos de reservar uma conjunto de buzzwords para dar um extra-flair aos textos. Que em parolês significa “embelezar”. O hype também não é claramente quantificável, uma vez que vem em apenas três versões: muito, pouco ou nenhum. Ao hype damos frequentemente carga negativa porque nos estraga sempre a experiência. “Porque diziam que era bom e afinal fica a ligeiros milímetros de ser uma bela merda“. Porque se não for excelente é mau em sob condições de forte hype. Há o hype criado apenas pelo marketing eficaz da máquina publicitária do próprio filme e do seu exército de lacaios disfarçados de especialistas de imprensa e powerusers das redes sociais e há o hype das críticas hiperbolarizadas daqueles que viram o filme antes de nós e precisam de se vangloriar. O hype é como o colesterol. Há hype bom e hype mau. Há que saber distinguir para conseguir prever com alguma exactidão o outcome (buzzword para dar flair) da experiência cinematográfica. O mood que irá definir o mindset aquando do screening. Um amigo com quem temos afinidade cinéfila e no qual confiamos nas críticas e que gostou do filme pode ser interpretado como hype bom. Um parágrafo patrocinado pelas pensos higiénicos Bedhum na revista “Ana mais Atrevida” é hype mau. Uma publicação online ou um blogger independente pode ser hype bom. A esposa do homem do talho que foi esteve a passar a ferro e ouviu dizer o Goucha que um filme seria bom, é hype mau. E assim sucessivamente. Vem esta pequena introdução justificar o facto deste filme ter chegado atrasado ao meu ecrã e se fez copiosamente anteceder por um fluxo de hype capaz de evocar as mais poderosas metáforas menstruais .
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