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O caso “Monstro da Lagoa Negra”

The Creature From The Black Lagoon

Em meados dos anos 80 foi dado em Portugal o maior golpe publicitário de que há memória no mundo inteiro. Um truque tão mesquinho e desonesto cujo único intuito seria ganhar dinheiro à custa de inocentes telespectadores sequiosos de experiências multimédia diferentes. O caso “Monstro da Lagoa Negra” foi a massificação publicitária de uns óculos 3d sem os quais os espectadores perderiam aquela que seria a mais fantástica experiência alguma vez sentida no planeta. No dia seguinte o país usava umas imensas orelhas de burro e todos sentiam uma dor latejante no rabo, como se um cabo-verdiano invisível (e conceptual) tivesse sodomizado a nação, usando apenas uma t-shirt de licra justa com o logotipo da RTP…

Durante meses e meses a RTP usou o seu monopólio da televisão em Portugal para anunciar a venda dos óculos em papelarias. Óculos caríssimos que eram afinal umas hastes de cartão semi-rígido e duas rodelas de papel celofane (vermelho e azulado) coladas à pressa. Foi de tal modo poderosa a campanha que qualquer cidadão se sentia uma criatura inferior sem os óculos.

Estava prometida pela RTP o início de uma nova época, uma nova televisão com profundidade. O 3D iria chegar definitivamente ao panorama cinematográfico/televisivo para que o país pudesse ser um símbolo de modernidade na vanguarda da multimédia mundial.

A desinformação era de tal modo grotesca que todos acreditaram, o país parou para ver este pináculo do hitech. E nessa fatídica noite, Portugal parou. A respiração ficou momentaneamente suspensa e os corações batiam em sincronismo. Meu Deus, será que vamos aguentar tal emoção da próxima geração? Ainda ontem tinha TV a preto e branco e hoje vou saltar para o futuro e sentir-me ainda mais homem.

O filme começa. Ninguém acreditava. O pior filme de terror de que há memória. Um pastelão completamente idiota dos anos 50 ou 60. O efeito 3D era sentido à custa de muita fé. Fé na RTP e esperança de não sentir aquele inevitável sensação de “eu sou tão estúpido a acreditar nestes idiotas…

Rapidamente nos apercebemos que bastava meter a TV a preto e branco para a qualidade melhorar substancialmente e são conhecidos casos de pessoas que limparam literalmente o cú aos óculos no intervalo do filme. Fomos, mais uma vez, uma nação de descompensada, falsamente inflamada pelo sentido de patriotismo, desejando magicamente saltar da cauda para a cabeça da Europa com um artifício caça-ignorantes.

Muito me custa agora ver o mundo inteiro do ano 2010 a comer merda 3D às colheradas  como Portugal fez na altura deste filme. O profeta não será nunca anunciado, como dizem as escrituras.

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NOTA: actualizado em 24/09/2013 para colocar a imagem dos óculos e a sua caixa que dá oportunidade de ganhar um automóvel e três televisões a cores. A cores.

7 Comments

  1. cine31

    Excelente texto Pedro, juntaste mais um persoangem á galeria Cinema Xunga: “cabo-verdiano invisível (e conceptual)”. Ia adorar ler uma banda desenhada chamada “O Inacreditável Cabo-verdiano Invisível (e Conceptual)”, ” ICVIC” par os amigos 😀 se tivesse sucesso até podia dar um filme! “O Inacreditável Cabo-verdiano Invisível (e Conceptual) Sodomiza a Nação”

  2. ArmPauloFerreira

    Isso de na altura se ir ver 3D quando a maioria ainta via a preto-e-branco… enfim!
    E o filme não valia nada de especial…

    É curioso mas nos dias de hoje o efeito regressou e o Avatar ao menos esteve á altura do uso do 3D.

  3. Peter Gunn

    Resta saber se com o “novo” meo 3D que tanto se fala também teremos que por a TV a preto e branco para ver alguma coisa de jeito? 😉

    De resto fui também um dos que passaram a fatidica noite com os maravilhosos oculos sendo que no fim… deixei-me dormir e nem acabei por ver o final do filme…

  4. Casimiro Gonçalves

    A-D_O-R-E-I! Ainda à pouco lembrei-me disto e fui procurar se alguém já o tinha recordado pela, net e vim parar a este Magnifico relato!
    Literalmente babei-me a rir, e olha que em mim não é facil principalmente tão no imediato e de ir às lagrimas..!
    Adorei principalmente este paragrafo:
    “O filme começa. Ninguém acreditava. O pior filme de terror de que há memória. Um pastelão completamente idiota dos anos 50 ou 60. O efeito 3D era sentido à custa de muita fé. Fé na RTP e esperança de não sentir aquele inevitável sensação de “eu sou tão estúpido a acreditar nestes idiotas…“ ”

    Muito Obrigado pela partilha.
    Só comparável com o “cola o DOT no canto do ecran” da SIC!
    Fica ainda a ideia de relatares/comentáres o caso do “Império dos Sentidos”, que ultrapassou a “Gabriela”…

    Mais uma vez um muito obrigado e: Queremos Mais!

    Casimiro Gonçalves

  5. Paulo Santos

    Foi realmente um filme digno de figurar no primeiro lugar dos piores filmes de terror de todos os tempos. Mas dizer que foi um golpe publicitário é enganar as pessoas. O dito filme como foi anunciado, não era totalmente em 3d mas sim partes do mesmo. Quem seguiu as instruções de regulação de imagem conseguiu ver os efeitos pretendidos como eu e mais alguns amigos. A RTP apenas não prosseguiu com a intenção de exibição de filmes do género porque houve uma grande campanha de pessoas de mentes retrógradas que a isso levou.

  6. Paulo

    Não concordo convosco porque au tenho o filme gravado em Beta e mesmo com a qualidade da gravação consegue-se ver alguma tridimensionalidade na imagem, e tenho recordação, sim porque eu vi o filme e não só li criticas que andam por aí que não correspondem inteiramente à verdade, de quando assisti ao filme ver muitas cenas com relevo principalmente no início quando se vê uma espécie de chuva de meteoritos. Claro que não foi, nem próximo, do que hoje se vê e mesmo já na altura no cinema mas valeu pela experiência e foi de louvar. Não fosse também vocês agora estarem a falar do assunto

  7. Paulo Ferreira

    Li o texto, bem escrito sim mas muito exagerado e especulativo, recordo-me perfeitamente dessas semanas antecedentes e na noite da exibição, lembro-me que até chegaram a vender óculos “piratas”, que por sinal tenho um conjunto de 3 no meu acervo, mas nunca se tratou de uma fraude nem de enganar as pessoas, na minha tenho recortes de jornais e revistas da altura e a RTP sempre anunciou como sendo uma sessão experimental de 3D em televisão e nunca foi assumido que se iria revolucionar o mundo audiovisual, pois na altura, em 1985 o 3D já não era novidade nenhuma, já que em 1953 se viu um dos melhores filmes com esta tecnologia “House of Wax” com Vicent Price. Mas o 3D já se fazia em fotografia em finais do século XIX com o estereoscópio, por isso não seria novidade.
    O filme na realidade não tem grande qualidade, mas hoje por isso e tratando-se de um filme série B é uma película de culto, pois também teve sequela. Lamento que se tente transmitir algo que na realidade não aconteceu como descreve.

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