Há uns meses atrás, aquando da estreia deste filme, foi forte a onda de indignação para com a violação das nossas memórias de infância. Nada de original ou verdadeiramente importante, mas ainda assim ligeiramente revoltante. Ou talvez não. Todas as nossas memórias já foram tantas vezes violadas nos sentimos confortáveis com isso. Memória de infância que não seja violada não é memória decente, como as caloiras de Letras ali no Jardim da Sereia. Mas neste caso foi uma violação acrescida, uma vez que até o título original foi mudado. Eram os Estrumpfes, passaram a Smurfs. Na altura não concordei mas hoje faço vénia a quem escolheu o título nacional porque, afinal de contas, não se tratam dos mesmos bonecos.
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O estímulo à economia passa por pequenas coisas que fazemos no dia a dia. Comprar calçado do Vale do Ave, consumir arroz do Baixo Mondego e laranjas do Algarve, não utilizar mão de obra moldava em bares de alterne e, principalmente, comprar porno nacional. De preferência comprar online em formato digital, porque metade do valor do DVD vai para o plástico que é feito na China e para a empresa de entrega Seur que é espanhola. Em tempos de crise toda a ajuda é pouca no combate à pobreza e são pequenos gestos como estes que nos devolverão a integridade económica de um país orgulhoso da sua herança cultural.
Sou orgulhoso proprietário de uma versão do The Fog em VHS. O valor de compra, depois dos respectivos ajustes para o nível de vida atual, é quase pornográfico e o seu estado à altura da compra já era de relativa decomposição. Era uma cópia (original, oficial e carimbada) de um clube de vídeo. Não é uma edição normal, como aquelas dos últimos tempo do VHS. É uma edição especial, capa de grande formato, almofadada, com bordo debruado e tons de dourado pintados por cima da capa. Um vez aberta tem o logotipo da editora por dentro e o rótulo principal da cassete é rico em prateados da mais pura filigrana tipográfica. Qualidade de imagem, uma merda, qualidade de som, phunf, phunf, phunf. E eu amo-a assim, em toda a sua imperfeição.
Ver o Escape From LA logo a seguir ao Escape From New York é como enfiar a cabeça dentro de uma máquina de lavar roupa cheia de pedras da calçada (em centrifugação) depois de beber duas garrafas de Whiskey espanhol e com uma ratoeira apertada em cada testículo, calçando apenas um par de galochas e com o torso barrado em Tulicreme Avelã. E tudo isto com a TV com o som no máximo a passar Buck Rogers dobrado em alemão com dificuldades de recepção enquanto uma criatura de luz chamada Chernobog da Anunciação me tenta impingir uma assinatura de dois anos da revista oficial da Associação Belga de Bombardino, Melofone e Tuba que ainda inclui como suplemento a livro “Tango, que futuro?”.
Sofia Coppola, songa-monga. Com a simpatia de um bloco de basalto e um semblante equídeo cuja estrutura rinoplástica permite pendurar confortavelmente duas gabardines e uma samarra alentejana, Sofia é a filha mimada de Francis Ford Coppola que tenta sacar gabarito à conta de créditos hereditários e que desde finais do século passado tenta fazer passar os seus filmes por clássicos intemporais com a ajuda da máquina publicitária do papá. Mas como até um relógio parado pode estar certo duas vezes por dia, havia de chegar o filme que fosse decente. Somewhere, uma bela crónica voyeristica do mundo do showbusiness visto por dentro.
Todos sabemos que o Apocalipse tem muito pouco interesse cinematográfico. Muito frouxo. Uns misseis nucleares, a malta a ser incinerada viva enquanto foge, os governos do planeta a colapsar em anarquia e vazio de poder, as infra-estruturas a falharem e um regresso à idade média devido à destruição da última tecnologia existente por bombas de impulsos electromagnéticos. E depois, nada… Silêncio, fumo, pó, mortos, milhões de mortos nas ruas. Não há pássaros no céu nem animais nas florestas. As cidades arrasadas e os campos que ainda parecem produtivos todos contaminados por radiação e armas químicas. É depois disto, quando começam a emergir os primeiros sobreviventes, quando começam a juntar-se os primeiros grupos, quando o engenho primitivo começa a reconstruir uma nova ordem mundial é que as coisas começam a ganhar interesse. É esta reconstrução que tanto amamos, esta esperança que mesmo depois do fim as coisas podem continuar. Benvindos ao pós-apocalipse.
A educação nos anos 70 e 80 tinha algumas falhas que aos olhos de hoje podem ser consideradas “primitivas” ou “retrógradas”, tais como a barbaridade de não se poder usar calculadoras em exames ou a aberração de se poder chumba (meu Deus, chumbar!) caso a qualidade dos conhecimentos não ficasse devidamente provada por escrito. Mas havia uma coisa que não existe hoje, que era o incentivo ao respeito pelos mais velhos. E uma coisa que aprendemos é que não se pode julgar um ancião por ter forrado o sofá com fezes ao ter confundido a sala de estar com a casa de banho, mas que devemos sempre ver nele o homem que em tempos foi e a obra que deixou para trás.
Numa altura em que o marketing corporativo dos grandes estúdios de cinema faz lobby constante para passar a ideia de que a qualidade de um filme se mede pelo orçamento e box office, já poucas são as pessoas que se aventuram por obras de orçamento reduzido temendo que a equação hollywoodiana da relação/qualidade tenha alguma veracidade. Mas o certo é que não tem. A capacidade de encantar o cinéfilo com um bela narrativa nada tem a ver com o orçamento e os meios envolvidos. E uma prova desta afirmação é o fabuloso filme The Man From Earth, um filme que ficção científica que conta a mais cativante história de sempre. É passado numa sala e consiste num amigo que conta a sua história de vida aos seus amigos. Só diálogos e imaginação para criar a “greatest story ever told”.
Numa altura em que se esperava que a saga Twilight e os vampiros para teenagers fosse assassinar de vez o género cinematográfico na sua vertente menos juvenil, eis que Hollywood aproveita a boleia do hype vampiresco e continua a fazer aquilo que é a sua especialidade, mugir o conceito até à exaustão absoluta. Juntar uma distopia religiosa pós-apocalíptica com hordes de vampiros menos convencionais, monstros em CGI e bofetada bullet-time de três em pipa é a receita para mais um filme de época pré-blockbuster que se auto destrói depois de ter sido visto. E um novo conceito de caçador de vampiros, o homem de botins.
Depois do Apocalipse provocado por uma invasão de térmitas gigantes consumidoras de madeira e viciadas em cabeças humanas, o planeta está transformado num espaço desolado. Os humanos estão divididos em dois grupos, os escravos vestidos com fatos de pirata da Babou ligeiramente modificados para parecerem pedintes e os capangas das térmitas vestidos com barbas postiças do Deborla e camisas excessivamente brilhantes como os fatos de cowboy que os chineses vendem no Carnaval. Mas um esperança cai dos céus, um grupo de astronautas que esteve ausente durante 40 anos e que, desafiando todas as leis da física, lógica, química e canónica, vão lutar pela supremacia da raça humana. Um telefilme do canal Syfy. Poderia ser a pior pedaço de matéria morta alguma vez cuspida e escarrada para as nossas televisões, não fosse um simples factor que faz subir uma produção de esgoto a céu aberto a fantástico guilty pleasure: Bruce fuckin’ Campbell.
A premissa pode à primeira vista parecer simples . Para o cidadão comum, o homem de família calejado pela labuta do dia a dia, é só apontar e dizer “vamos ver este”. No entanto este ato encerra em si a mais vil das falácias, qual besta de sete cabeças que tão depressa nos dá o poder como de seguida nos destrói nas fornalhas do inferno da condenação pública. É nesses momentos, perante dezenas de dedos furiosos que acenam violentamente na nossa direção, quando o escárnio de uma multidão irada clama pela nossa alma, é aqui que desejamos ter ouvido o nosso colega bêbedo que no início disse “Não escolhas esse, porque esse é uma merda!”. Sugerir um filme a um grupo heterogéneo de pessoas é como uma experiência científica que envolva explosivos, parece verdadeiramente divertida e promissora até alguém perder uma vista.
Elvis Presley, o rei, a lenda, ator, entertainer de sucesso e exímio exterminador de múmias assassinas. Para os ignorantes entre nós, Elvis não morreu em 1977. Para poder descansar de um colapso que quase o levou à loucura, Elvis trocou de lugar com um imitador chamado Sebastian Haff em 1968. A ideia seria voltar um dia mais tarde, mas as coisas foram adiadas recursivamente. Quando o imitador Sebastian Haff morre em 1977, o verdadeiro Elvis fica numa situação complicada e sem poder regressar à ribalta, abraçou a vida de cidadão comum. Agora, em 2002, já entradote e com vastas camadas adiposas, Elvis reparte o quarto de um lar da 3ª idade com um idoso negro que diz ser John F. Kennedy reencarnado. Esta pacatez típica de um centro de dia é, porém, interrompida abruptamente por uma múmia ressuscitada que não olhará a meios para atingir os seus objectivos. Não há tempo a perder, até porque os sacos das sondas de urina têm autonomia muito reduzida.
Numa altura em que um filme que conta a história de um pneu que ganha vida e, ainda por cima tem o poder de telecinese, é encarado pela comunidade de cinéfilos com dois bocejos, já nada consegue surpreender aqueles que consomem cinema há mais de duas semanas. Por muitas artimanhas e conceitos originais que se injetem numa história há sempre, pelo menos, meia dúzia de precedentes que o fizeram com mais sucesso. Sendo assim, resta-nos ter fé no cinema e esperar que esta falta de originalidade possa ser substituída por uma direção competente e uma narrativa que se saiba aguentar até ao final sem levantar sobrancelhas.
Os anos 80 foram uma época muito conturbada para aqueles que, como eu, viveram lá parte importante da sua adolescência. Tão conturbada que eu só me senti preparado para enfrentar os anos 80 mais ou menos a meio dos anos 90, ali naquela altura em que Kobain se suicidou e a música passou a ser merdosa em todas as frentes e géneros. Todas as tentativas até essa altura para assassinar Bon Jovi falharam, incluindo aquelas que envolviam viagens no tempo. Isto explica o estado vegetativo/zombie do conceito clássico do Rock e todas aquelas cantorias pop que se ouvem actualmente na rádio onde não se consegue identificar um único instrumento musical ou outro qualquer som que não se parece com uma variação multitonal de um enxame de abelhas dentro de um latão de zinco.
Antes de mais nada deixem-me fazer o disclaimer do costume no que diz respeito a filmes de Grindhouse ou outros que não sendo para levar demasiado a sério, são terrivelmente divertidos. Isto porque aparecem sempre umas Maria Amélias a dizer “como é possível gostar disto” ou “não gostei, esperava mais” como se de algum modo esperassem encontrar o sentido na vida num filme que retrata as aventuras de um sem-abrigo com uma caçadeira. Normalmente são jovens que idolatram os Oscars, fingem gostar do 8½ de Fellini para efeitos de promoção pessoal por intelectualidade, falta de sentido de humor e que devido à sua própria falta de confiança pensam que quando as pessoas se riem é deles e, mesmo os do sexo masculino, têm vagina. São os mesmos que vão ver a Hanna Montana e o Harry Potter para depois fazerem críticas onde mencionam excertos da teoria semiótica da narrativa e escreverem que os filmes são demasiado infantis para serem levados a sério. Virgens, portanto!
1991, Agosto em Monte Gordo. Tinha acabado de recuperar a consciência daquilo que vim mais tarde a saber ser um black out de 21 horas. Parecia ser uma festa de Verão e milhares de respeitosas donas de casa vibravam libidinosamente ao som de uma banda em palco. Demorei algum tempo a perceber o que se passava, o som enrolado em flanger e um forte sabor a laca Fiero que parecia escorrer em bica pelo esófago não ajudavam a melhorar a percepção. Cedo percebi que os Trio Odemira tocavam Anel de Noivado e fui apanhado desprotegido no meio das suas harmonias hipnóticas e na execução perfeita de uma música que já na altura era um velho clássico. “Inundada no seu pranto. O seu vestido vai molhando, Ao chorar de amor por mim”, cantavam imperturbáveis pelos gritos histéricos, desmaios e apelos ao deboche adúltero. “Faz-me um filho”, gritava uma octogenária semi-nua estranhamente atraente que parecia acariciar-se ao meu lado. Não sei se foi do álcool, das drogas ou de uma cataplana de peixe que não me caiu nada bem, mas senti um capacete de eletricidade estática a massajar-me as têmporas, como tentáculos de ondas alfa e impulsos de telequinese, e os edifícios pareciam ondular ao ritmo dengoso dos baladeiros alentejanos. Anos mais tarde, depois de ter visto recusada uma proposta de tese de final de curso sobre os Trio Odemira e das terapias de eletrochoque se terem revelado inúteis para apagar esta memória parasita, aprendi a viver com ela e hoje vou partilhar convosco o potencial cinematográfico de tão melosa balada.
O mundo estava em paz, o Verão escaldante convidava a um mergulho refrescante no mar e ao uso de uns binóculos para micar rabo viçoso. Alguns trabalhavam, outros descansavam. Crianças corriam na relva verde dos parques públicos enquanto cães saltavam a apanhar Frisbees. De repente tudo mudou… O mundo parou, estremeceu, ficou embasbacado sem saber como reagir. Uma força avassaladora tomara de tudo. Parecia controlar os nossos gostos, as nossas necessidades e a nossa capacidade de simular estados emocionais. O inconfundível poder do hype tapou-nos o raciocínio como um manto de cegueira. Tinha saído o trailer de Battle: Los Angeles na Internet e toda a gente queria entrar em criogenia e ser acordada no dia da estreia.
Numa altura em que o Ronald Reagen rotulava a União Soviética de “Evil Empire” e o planeta se precipitava ferozmente em direção ao apocalipse final, o mundo parecia mais entusiasmado com coisas realmente importantes, como a carreira de Eddie Murphy na pele do novo rei da comédia mundial ou a discutir qual dos membros dos Modern Talking era mais paneleiro.
Independentemente do seu nível socio-cultural, da sua capacidade argumentativa, do seu estado de embriaguez ou intoxicação, do seu credo ou religião, do número de doenças sexualmente transmissíveis que possuam devido a más decisões, todas as pessoas sabem identificar um bom filme. Não um bom filme no sentido universal do conceito, pois tal coisa não existe e ainda bem para a liberdade de escolha. Um bom filme para quem o vê. Aquela sensação boa que se fica na altura em que os créditos finais começam a rolar, mas que perdura passado algum tempo, aquela agradável recordação que nos faz desejar que volte. Bom, para mim, este é um desses filmes, imaculado, poderoso e único.
O sub-género do cinema de terror chamado torture porn vive tempos de expansão. Não é um estilo que goste, longe disso. Acho-o inutilmente excessivo, gratuito, exibicionista e vazio de mensagem ou narrativa. É o choque pelo choque, a tortura em lume brando, que não é nada de novo. A cada dez anos surge uma vaga desse cinema. Human Centipede é um filme que encaixa neste estilo, um filme que nasceu da especulação mediática dos sites e revistas da especialidade. E foi esta habitual desonestidade do hype que nos obrigou a vê-lo. Porque isto é mesmo assim, tínhamos que o ver. E a única conclusão a que chegamos é que Kevin Smith tinha razão em Clerks II: “You never go ass to mouth!“
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