Haveria de passar uma semana até saber o que o destino havia guardado para o futuro do cinema. Mas naquela noite, ao início da madrugada de um tempo em que apenas existia para mim a sessão da meia noite, naquela noite fresca e convidativa para a juventude se abandonar à conversa casual e das certezas absolutas dos 20 aninhos, naquela noite tinha saído do Cineteatro Avenida em Coimbra onde vi o Last Action Hero. Os meus olhos brilhavam como uma teenager de Anime e o coração batia forte. O último filme de Arnold Schwarzenegger era um marco incontornável no cinema e na carreira do meu action hero preferido. Arnie reinventou-se numa altura em que toda a gente se perguntava “E agora? O que vai Schwarzenegger fazer quando já chegou ao pináculo?”. Bom, e foi assim que se reinventou num meta filme dentro de um filme dentro de um filme a olhar de fora para dentro e, simultaneamente, de dentro para fora, e dos lados e de cima para o cinema. Inverter a estrutura, partir a 4ª parede e criar a 5ª dimensão.
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Hoje entrei pelo facebook adentro com um volumoso cajado e espanquei Trainspotting 2 pelas costas. Caiu e continuei a bater, até a forma que antes se lhe reconhecia se ter transformado numa amalgama irreconhecível, numa polpa de indigna daquilo que pouco tempo antes teria sido reconhecido como um filme. “Olha um filme”, diriam vocês se passassem por ele na rua a fazer jogging, a passear o cão, a saltar por uma janela das traseiras depois de terem arrebentado à canzanada uma das melhores amigas do vossa esposa. Depois do evento, um filme já não era. Porque é que um filme analisado sobriamente e avaliado com 60% de mau e 40% de bom pode ser amado e um filme avaliado com 50/50 ou mesmo 55/45 pode ser detestado ou, alternativamente, “não gostado”. Sem nunca ser ignorado ou desvalorizado. Isto deve-se àquilo que resolvi chamar de “Anomalia de Xunguing”.
Para continuar este ciclo de amor e romance, nada melhor que Timecop. Um filme rude e mal limado, é certo. Abrutalhado, como se fosse pedido ao mais hábil relojoeiro suíço para fazer um relógio fino usando apenas um maço de madeira, molas de colchão do ferro velho e 239 rublos do Turquemenistão. É no entanto um filme cujo combustível é o amor, a procura pelo doce aconchego do quente afecto, o regaço de uma mulher amada, um beijo molhado, uma cama suada. Só que à força do bofetão.
O flop, esse chavão que dita o destino de um filme nas mãos de um estúdio e da contabilidade matreira de Hollywood . Só pode ser considerado flop um filme com aspirações a world domination, actualmente um filme que custe pelo menos 100 milhões de dólares a produzir, distribuir e publicitar. Ora, um filme independente feito por amor à arte nunca é um flop, basta que apareça mais um ou duas pessoas do que mãe do realizador já é êxito transbordante. É um termo quase exclusivamente aplicável ao chamado blockbuster. No Verão de 2013 foi vê-los cair. Parecia a época de caça ás perdizes, nem tinham tempo de levantar voo, porque agora Hollywood define o flop em menos de 24 horas de exibição. Muitas são as vezes em que me meto a pensar de que alguns destes filmes podem ter êxito em circuitos diferentes daqui a 10, 20 ou 100 anos porque o tempo os ajuda a persistir. Os gostos mudam e, quiçá, uma inversão na evolução nos faça amar esta vasta parolice que Hollywood nos tenta enfiar pelas goelas abaixo todas as semanas. Isso aconteceu imensas vezes no passado e o que me traz aqui hoje é uma singela lista de 5 filmes que foram absolutamente humilhados na sua estreia e hoje em dia são filmes que considero obras superiores.
Esta semana um amigo chamou-me a atenção através de um link no facebook para uma review a um filme scifi dos anos 90 chamados Space Truckers. Cliquei no vídeo e de imediato o meu cérebro explodiu em recordações e referências obscuras de filmes que tinha visto e por alguma razão o meu cérebro achou por bem omitir. Os anos 90 foram profícuos em projectos imaginativos e de multicores caleidoscópicas, em arrojo e coragem de avançar por terrenos desconhecidos ou excêntricos. De modo mais ou menos feliz, todos garantiram lugar na memória dos tempos. Ao contrário do que se faz actualmente, reciclagem e reaproveitamento de fórmulas gastas, os estúdios dos anos 90 permitiam-se a algum divertimento, os actores aceitavam papéis perfeitamente fora do âmbito da sua paleta de representações. Os executivos, imersos em trips intermináveis de cocaína, assinavam qualquer delírio narrativo que lhes colocassem na mesa, enquanto os sesu advogados se deliciavam sexualmente com autocarros de putedo multigénero (e às vezes equídeo) que lhes era entregue ao domicílio. Vamos aqui falar de alguns destes filmes e dos elementos que fazem deles autênticas pérolas de devaneio criativo, coragem e testículos de aço. Dois de cada vez, para não enfartar.
Esta pretende ser uma primeira abordagem a um velho tema do universo da critica cinematográfica, que é uma segunda avaliação a um filme e um resultado completamente diferente da primeira. Todos já passámos por situações similares. Um filme que foi bom (ou mau) e que a uma segunda visualização, depois de um considerável período de tempo, afinal teve impacto completamente diferente. Os factores são vários, conhecidos e comuns. A companhia, o estado emocional ou hormonal, influencias psicotrópicas e índice de embriaguez, o peso do hype ou o amour (toujours l’amour). São influências temporárias que nos toldam o juízo e nos fazem, afinal, humanos.
Irmãos, a Cristina nunca viu o Seinfeld! Os mais desatentos perguntam enraivecidos quem é a Cristina mas quem está mais familiarizado com as Indústrias Kramerica ou com a obra de Art Vandelay não quer saber quem é a Cristina. Eu próprio já fui assim, enraivecido com aqueles que não seguiam a minha via (o caminho da rectidão e da verdade) mas neste momento não sinto ira para com os irmãos que, tal como a Cristina, se afastaram a luz e da sensatez, daqueles que nunca conheceram a sapiência do Nada, daqueles que veem a sua vida desaparecer nos tentáculos do Friends, Will and Grace ou mesmo aquele instrumento de Satanás que visa transformar mulheres em trastes horrendos potencialmente inúteis e serventes do Demónio chamada “Sex and The City”.
Ver o Escape From LA logo a seguir ao Escape From New York é como enfiar a cabeça dentro de uma máquina de lavar roupa cheia de pedras da calçada (em centrifugação) depois de beber duas garrafas de Whiskey espanhol e com uma ratoeira apertada em cada testículo, calçando apenas um par de galochas e com o torso barrado em Tulicreme Avelã. E tudo isto com a TV com o som no máximo a passar Buck Rogers dobrado em alemão com dificuldades de recepção enquanto uma criatura de luz chamada Chernobog da Anunciação me tenta impingir uma assinatura de dois anos da revista oficial da Associação Belga de Bombardino, Melofone e Tuba que ainda inclui como suplemento a livro “Tango, que futuro?”.
Continuando para mais 5 filmes que não têm o crédito que merecem:
Last Action Hero (1993)
Schwarzenegger e John McTiernan apostam numa esquema narrativo inovador e num humor refinado baseado na referência cinematográfica, cultura pop e no status do próprio senador. Incompreendido pelas massas que esperavam outro Terminator abrutalhado, violento e desprovido de auto-crítica, falhou violentamente nas bilheteiras, foi largamente apupado pela crítica e, se não me engano e não me apetece googlar, ganhou os mais incompreendidos Razzies de que há memória. Last Action Hero é um filme intemporal, pejado de imaginação, complexo e será para sempre querido por todos aqueles que no início dos anos 90 ainda tinham o senador exterminador na sua lista de actores preferidos.
Nos idos anos 97/98 havia uma série na RTP que pode ser considerada hoje a mãe de todas as séries juvenis. Duplamente mãe, uma vez que foi a primeira a inserir altas doses de melodrama e cada um dos episódios dava para fazer uma novela de 12o capítulos pelos standards actuais. Foi esta série que inventou a adolescente toxicodependente grávida seropositiva lésbica suicida sem-abrigo que está à beira de um aborto porque foi espancada pelo namorado nazi alcoólico em público, no hall de entrada da escola. E isto tudo antes do intervalo.
Os anos 90 tiveram uma fase muito confusa, em que a música rock renascia sob a forma do glorioso (porém deprimido / deprimente) grunge, o rap/hiphop andava de mãos dadas com o metal/hardcore e ouvia-se falar de um conceito refrescante no cinema, algo que toda a gente achava que ia mudar definitivamente o panorama do cinemográfico mundial: as adaptações de BDs. [pausa para gargalhada] E foi nesta onda de inovação que apareceu Tank Girl, uma miúda de um mundo pós-apocalíptico que adoptou um tanque como fiel companheiro. A combater um uber-vilão com a ajuda de um bando de mutantes guerrilheiros liderados por Ice-T, à laia de pequenos Ches Guevaras, que tinham uma interessante particularidade: eram metade humanos, metade cangurus… Sim, leram bem, cangurus…
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