Haveria de passar uma semana até saber o que o destino havia guardado para o futuro do cinema. Mas naquela noite, ao início da madrugada de um tempo em que apenas existia para mim a sessão da meia noite, naquela noite fresca e convidativa para a juventude se abandonar à conversa casual e das certezas absolutas dos 20 aninhos, naquela noite tinha saído do Cineteatro Avenida em Coimbra onde vi o Last Action Hero. Os meus olhos brilhavam como uma teenager de Anime e o coração batia forte. O último filme de Arnold Schwarzenegger era um marco incontornável no cinema e na carreira do meu action hero preferido. Arnie reinventou-se numa altura em que toda a gente se perguntava “E agora? O que vai Schwarzenegger fazer quando já chegou ao pináculo?”. Bom, e foi assim que se reinventou num meta filme dentro de um filme dentro de um filme a olhar de fora para dentro e, simultaneamente, de dentro para fora, e dos lados e de cima para o cinema. Inverter a estrutura, partir a 4ª parede e criar a 5ª dimensão.
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Nos dias que correm as pessoas não têm tempo a perder, querem a rotina automatizada e despachada antes das 20h para poderem passar o resto da noite a ver a SIC. Ora, a pensar neste flagelo que assola a nossa sociedade, vou testar hoje o conceito do walkthrough para filmes. O walkthrough, em videojogos, é o termo usado para o guia que permite ao jogador mais impaciente avançar pelos níveis sem delongas. Em cinema pode ser igualmente útil. Porquê perder imenso tempo com os actores a matracar infindáveis bláblás quando alguém o pode fazer por nós, como uma mamã águia que mastiga os alimentos antes de os regurgitar carinhosamente na boca dos seus filhote? Interessa mesmo perceber a simbologia implícita, os segredos da composição e do grafismo, a crítica social, a arte que centenas de profissionais dedicam para que os possamos insultar quando pirateamos os seus filmes da Net? Vamos então começar por um clássico dos videoclubes dos anos 80, The New Barbarians ou Heroes of the Wasteland, que em Portugal foi abençoado com o original título “Os Implacáveis Exterminadores”. A minha descrição será acompanhada por videos em Webm, um prodígio do novo HTML5.
Andei às voltas com os papelitos na minha carteira e decidi compilar num artigo um manual que possa fazer qualquer azeiteiro do tunning num especialista em Sylvester Stallone, porque os mais velhos se estão a reformar e não há especialistas suficientes para os substituir. Ora aqui fica então um “10 coisas que provavelmente até sabias sobre Stallone mas nunca te debruçaste muito sobre o assunto.” Com extras.
Há dois ou três dias atrás estava enterrado em trabalho. Sobrecarregado para além do suportável, daqueles dias que só queremos ver pelas costas. Fechei todas as janelas de browser para não me distrair com a Internet, coloquei os auscultares para ouvir qualquer coisa que me isolasse do mundo. De repente sinto um tremer nas calças e disse “Agora não pénis, estou a trabalhar.” E voltou a tremer. E outra vez e outra vez. Bolas, tinha-me esquecido do telemóvel ligado e estava a receber as habituais tempestades de notificações do Facebook, Twitter, 6 contas de email, malta do skype e do gmail, mensagens do Viber e as notificações de que as aplicações precisam de ser actualizadas para a nossa vida continuar a fazer sentido. Abandonei os afazeres e entreguei-me ao mole prazer de vasculhar aquela merda toda à espera daquela mensagem que traga sentido á minha existência, uma mensagem divina ou um simples convite ao deboche. Nada. Likes, tu coças as minhas costas que eu coço as tuas, Lols e winks a dar com um pau, email a dizer que a encomenda já tinha sido enviada numa embalagem discreta. Enfim, o mesmo de sempre. Entre elas havia um daqueles irrecusáveis links de “A lista definitiva dos anos 80. O melhor. Ever.” Ora foda-se, se não clico vou acordar com suores frios. Ok, aqui vai. click, click, click. Vi 46 dos 50 títulos. 3 dos que faltam são daqueles que não toco nem com um pau de 5 metros e um nunca ouvi falar. Malibu Express. “Mas que diabos?… Agora é que não vou ter descanso se não vir essa merda.” Videoclube do povo, click click click. Yes, I agree. Beber café enquanto a coisa se dá. Tufas… Aqui vamos nós. Play.
Uma doce e inocente memória de adolescência caminhava para casa depois de um dia de escola. Aprendera que baleias e golfinhos não eram peixes e preparava mentalmente uma surpresa para os seus pais que iriam ficar maravilhados com esta lição. Era o seu aniversário. Ao passar por uma zona mal frequentada ouviu uma voz sombria que vinha de uma ruela lateral. “Psst, anda cá. Quero mostrar-te uma coisa.” Assustada tentou recuar mas viu-se paralisada de medo. “Chega aqui jeitosa. Vais adorar isto. É uma coisa que gostas muito.” A doce memória sentia tremer o queixo e respondeu. “Os meus pais dizem-me para não falar nem aceitar nada de estranhos”. O homem saiu da ruela e aproxima-se da inocente memória. Com uma voz gutural retorquiu “Eu não sou estranho, garina. Chamo-me José Padilha e tu deves conhecer-me de grandes êxitos como Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.” A menina encolheu os ombros e ficou mais descansada. Afinal era uma pessoa de confiança. Que mal lhe poderia fazer um gentil brasileiro que fez, pelo menos, um bom e honesto filme? “Entras na minha casa?” insistiu Padilha. “Sim, claro!”. E lá entrou numa sala escura que parecia não ter janelas nem iluminação. Foi então que Padilha lhe agarrou nos braços e a atirou ao chão. Virou-a de barriga para baixo. Com uma mão agarrava os dois pulsos e com a outra tirava-lhe as calças e as cuequinhas cor-de-rosa com temáticas de Charlie Brown. Baixou também as suas calças e sodomizou a inocente memória de infância que gritava pela sua mãe e chorava copiosamente. Sem preparação, sem suavização. A pequena memória sentia-se rasgada em duas. O hálito a álcool de Padilha na sua cara e as dores que sentia fizeram-na desmaiar. Três horas de sodomização depois, por cima de uma memória inconsciente e ensanguentada, Padilha levanta-se e sai. Na rua espera-o um carro de vidros fumados. Aproxima-se. O vidro baixa e uma mão estendo um maço de notas de 100 dólares. Padilha chora enquanto aceita o dinheiro e de dentro do carro uma voz demoníaca diz “That’ll do, José. That’ll do!”
O senhor Arnold Alois Schwarzenegger está de volta. Depois de um intervalo de 10 anos para fazer o serviço político obrigatório do clã Kennedy, Arnie volta ao cinema de acção e da violência gratuita. Estaria a mentir se dissesse que este regresso me é indiferente, afinal de contas estamos a falar do herói da nossa adolescência, o protagonista dos Terminators, de Commando, Predator, True Lies, Total Recall ou Conan (o que não é homem-rã). Impulsionado por esta nova onda de “I’m too old for this shit” movies, Schwarzenegger optou por fazer mais uma perninha a assentar bofetada de criar bicho, distribuir balázio e atirar oneliners relacionadas com os problemas da velhice.
Com o aparecimento da Internet e dos multiplexes nos anos 90, os rituais quase espirituais de uma ida ao cinema começaram a desaparecer. Ir ao cinema deixa de ser um acontecimento especial, a representação de um estilo de vida, deixa de ter magia e de doses de ansiedade por antecipação capazes de anestesiar um cavalo. Até os rituais de acasalamento da adolescência / juventude sofreram um severo retrocesso com a banalização da sétima arte. Antigamente um jovem tinha que convidar a miúda para um filme assustador para ela se agarrar durante o filme e sentir necessidade de protecção no final para que se pudesse proceder à posterior afundamento do salpicão. Hoje em dia levam as gajas para as discotecas, já semi-nuas (contaminadas de devassidão e predispostas ao mais vil gangbang), dão-lhe pastilhas de ecstasy e rebentam-lhes o cabaço sem grande entusiasmo nos seus quartinhos luxuosos de estudante. Por vezes inconscientes e outras vezes em coito interrompido devido a um “Olha, uma mensagem no Facebook da gaja que eu gosto mesmo”.
No final do Verão de 2012 fiz uns reparos infelizes acerca da falta de qualidade de Dredd 3D baseados apenas no meu preconceito cinéfilo, sem sequer ver o filme ou o trailer (imaginem a heresia). Tendo como amostra todos os remakes e reboots do último par de anos, parti do princípio lógico que seria mais um esgoto a céu aberto para perder tempo e provocar incontroláveis diarreias fulminantes. Devido a esta minha imprudente atitude e grosseira intempestividade não apoiei o filme que mais precisou da minha ajuda. Aliás, da nossa ajuda na sua hora mais negra. Porque não o fomos ver ao cinema, porque não alimentámos a blogosfera com a sua magnificência, porque não o adoramos como o salvador do cinema de acção de ultra-violência que tanto amamos, porque fomos fracos e deixámos que a cruel contabilidade do movie making americano lhe cortasse todas as perspectivas evolutivas enquanto potencial saga cinematográfica. Pelas minhas falhas e persistente imaturidade peço desculpas e rogo à vossa caridade enquanto pessoas de bem que só querem ver chacina sanguinária e violência sem limites na pacatês do vosso lar e na sala de cinema dos vossos dealers de cinefilia que saiam para a rua, gritem, espalhem a palavra de Dredd. Escrevam cartas ao vosso vereador, ao FMI, despeçam-se, deixem de se barbear (ou rapar os genitais) e corram o mundo usando sempre a mesma roupa interior a bater de porta em porta a perguntar “Sabe quem é a lei?”. Façam-no antes sequer de ler o resto deste artigo que deverá ser tão desinteressante como todos os outros. Voem, minhas pombas, espalhem a lei, promovam o juíz a ver se nos fazem uma continuação (sequela em portinglês).
“Faço minetes grátis”, escreveu ele no formulário do jornal que permitia pequenas mensagens na secção “Contactos”. Com a cabeça ligeiramente inclinada e a mordiscar a língua que pendia entre os lábios descaída para a esquerda, a confirmar subconscientemente a sua intenção, continuou “Sem pedir nada em troca. Garanto confidencialidade. Só meto dedo no rabo a pedido. Atreve-te a ser feliz!”. Sorriu ao entregar o papel à funcionária que franziu um esgar de encapsulada repugnância de quem se incomoda com o devassidão da mensagem misturado com a repulsa natural do próprio ser humano de prestar serviços não remunerados. No dia seguinte ligou-me. Chorava copiosamente e não se percebia bem o que dizia. Parei de mastigar os Cheetos que me serviam de pequeno almoço para tentar compreender aquela amálgama de má dicção com soluços e angústia. “Não publicaram, filhos da puta, [reticências] não publicaram o meu anúncio”. Plenamente confiante que estava a prestar um serviço útil e que a sociedade que pretendia servir lhe recusou violentamente os préstimos, suicidou-se meia hora mais tarde por asfixia auto-erótica vestindo apenas umas cuecas da irmã. Um desgosto para a família, uma vez que o mesmo jornal onde entregou o formulário para a secção “Contactos” publicou a foto na capa com o título “Jovem seropositivo homosexual com historial de drogas duras suicida-se em ritual satânico de zoofilia”. O anúncio dos minetes grátis foi publicado na mesma edição do jornal.
Há meia dúzia de anos atrás quando a Eon Productions pegou novamente em James Bond decidiu, por alguma razão, que iria definitivamente cortar com os filmes anteriores por serem demasiado imaturos e plebeus para os standards do ultra-realismo de que padece o cinema moderno. Decidiu fazer-se um reboot de modo a reenquadrar Bond nos standards cinematográficos actuais (a 2006), adaptando a primeira aventura do herói. “Uau”, reagiu o mundo, “Agora sim, sem fantochadas. Sóbrio, como eu gosto do meu Bond!”. Dois anos depois Quantum of Solace continua a saga, limpando o rabo às suas origens extravagantes de Bond. negando sequer a existência de Roger Moore de poncho prestes a entrar em órbita com dezenas de jovens virgens num plano de repovoar o planeta ou os satélites de destruição maciça de Ernst Blofeld e do seu gatinho persa Mr. Tiddles.
Uma das maiores ameaças à nossa felicidade é quando alguém nos quer desvalorizar as ilusões. Pequenas coisas que mantemos à tona da consciência sem forçar o raciocínio sobre as razões da sua existência, pois sabemos que se podem tornar tóxicas ou desinteressantes levando à desintegração de algumas das memórias de sensações que nos fizeram felizes. Isto acontece frequentemente a nós, os chorões dos anos 80, que encontramos em cada memória de infância uma caixinha de surpresas, que pode ser uma confirmação de algo realmente significante ou o constatar que andámos quase 30 anos a idolatrar uma bela poia de merda fumegante.
Nos anos 80 não havia Internet para as pessoas se rirem de patetices, então recorria-se a cassetes de anedotas que eram passadas de amigo em amigo numa rede social analógica de partilha. Eram cassetes sem dono, aventureiras com vida própria que numa semana estavam em casa do filho do padeiro e noutra estavam entaladas numa pilha de Playboys daquele puto esquisito que só vestia camisolas tricotadas pela mãe. As mais famosas eram de uma enigmática figura chamada Canty (O Cantinflas Português), numa homenagem de qualidade duvidosa ao célebre actor mexicano de comédia Cantinflas. Uma das anedotas de que me lembro melhor era do formato “Joãozinho” em que a professora faz perguntas e os alunos respondem. Neste caso a pergunta era “O que viram ontem na televisão?”. Os meninos responderam normalmente e no final o Joãozinho respondeu “Nós não temos televisão, mas o meu pai vai para o meio da sala dar peidos e a gente bate palmas e ri-se…”. Na altura não me ri porque nem sequer percebi o conceito de alguém juntar um grupo de pessoas em seu redor para os entreter com flatulência. Fastforward quase 30 anos para os dias de hoje e começo a compreender que dar peidos para uma pequena audiência familiar já não parece tão ridículo como antes e que poderá ser uma melhor alternativa de entretenimento do que 70% da programação de cinema/TV da actualidade.
Qualquer um de nós tem a mesma sensação quando olha para os cartazes em dos filmes em exibição nos multiplexes nacionais. Parece tudo o mesmo filme ou então parecem todos cópias de um estilo específico. Olhamos para qualquer cartaz e percebemos rapidamente a história do filme, o seu progresso e o final. É a triste verdade. Em termos cinematográficos, os nossos salas alimentam-nos sempre a mesma porcaria. Ocasionalmente um improvável filme extra-Hollywood fura esta lobby americanizado do “Tudo o que não é Hollywood é mau!”. Desta vez o cinema de acção americano recebe dois valentes bofetões bem assentes no focinho da Indonésia. The Raid é o melhor filme de acção dos últimos anos. Imparável, electrizante e inovador. Não poupa os espectadores das cenas mais bárbaras e até tem um história e tudo. Vamos então dissecar este bordoada-fest indonésio com tendência para o ocasional desmembramento e a decapitação acidental.
Quando tinha 10 anos fui ao circo. No intervalo saí para ir ao WC e quando voltava enganei-me na porta. Entrei no backstage. Aquilo que vi naquela imunda salinha fez-me repensar toda a minha perspectiva sobre a existência humana. O ambiente nebuloso com um misto de cheiros que ia desde o tabaco entranhado nos tecidos até ao forte suor de quem não se lava há meses, passando pelo odor a peido permanente misturado com chulé, encerrava uma imagem que ainda hoje tenho apegada bem no meio do pódio dos traumas de infância. O mesmo palhaço que tinha acabado de fazer um adorável número musical com um serrote estava agora a praguejar como um trolha bêbedo. As palavras de um grau impensável de asneiredo só não me chocaram mais porque o impacto visual de um palhaço sem calças, sentado num sofá gasto a fumar um fino cigarro com cheiro a incenso e a acariciar o peludo testículo que lhe saía dos truces foi manifestamente superior. Olhou para mim, teceu um esgar de compaixão e proferiu uma frase que nunca mais irei esquecer “Hey caralhito, e se te pusesses nas putas? É a porta ao lado que querias, ó paneleirote!”. Ora este incidente, por muito pérfido que possa ter sido, ensinou-me uma das mais importantes lições da minha vida. Desde esse dia compreendi finalmente o segredo da felicidade. Afinal tudo passa por não ter expectativas altas em relação a nada. Este ensinamento, por muito insignificante que possa parecer, ajuda-nos a encarar todos os acontecimentos do dia a dia com júbilo acrescido. Seja numa situação profissional que afinal não é tão horrível como à primeira vista poderia parecer ou num inesperado encontro de sexo em grupo. Manter as expectativas baixas é sempre o segredo da felicidade. Quanto muito da ausência de infelicidade, que nos dias que correm já é bem bom.
Todos aqueles que conviveram intimamente com os Conans de Schwarzenegger nos anos 80 ficaram aterrados com a ideia de um remake. Não só por se tratar de um remake de um filme que fez de nós mais homens, mas por ser pura e simplesmente um remake. Convenhamos, não haverá maior abominação neste planeta do que um remake. E se um remake a um filme de merda já é condenável, um remake a um clássico da nossa juventude é como uma violação em grupo num daqueles dias em que hemorroidal não está no seu melhor estado. Não é que os Conans originais sejam grande especialidade, mas são os nossos Conans, bolas! Aqueles que nos mostraram as mamas da Sandahl Bergman, da Olivia d’Abo ou da Grace Jones. Mas nenhum desses pares de mamas se revelaria maior que o de Schwarzenegger, numa fase em que o seu corpo tinha mais hormonas de cavalos do que grande parte do cavalos da altura.
As adaptações de comics da Marvel pela linhas de montagem de Hollywood dos últimos anos têm em comum um factor, um parâmetro de avaliação, um indicador de qualidade conhecido internacionalmente como “Merda”. É o coeficiente de horribilidade presente numa produção, que pode ser maior ou menor, mas quando presente em valor positivo não costuma augurar grande sucesso à demanda de passar um noite agradável. E lá está, Captain America não é diferente. Fora das pranchas dos comics e das fronteiras patriotas dos Estados Unidos, o resultado da missão deste jovem capitão é o amargo sabor da derrota e do falhanço total.
O mundo estava em paz, o Verão escaldante convidava a um mergulho refrescante no mar e ao uso de uns binóculos para micar rabo viçoso. Alguns trabalhavam, outros descansavam. Crianças corriam na relva verde dos parques públicos enquanto cães saltavam a apanhar Frisbees. De repente tudo mudou… O mundo parou, estremeceu, ficou embasbacado sem saber como reagir. Uma força avassaladora tomara de tudo. Parecia controlar os nossos gostos, as nossas necessidades e a nossa capacidade de simular estados emocionais. O inconfundível poder do hype tapou-nos o raciocínio como um manto de cegueira. Tinha saído o trailer de Battle: Los Angeles na Internet e toda a gente queria entrar em criogenia e ser acordada no dia da estreia.
Chega ao fim mais um ano. Na minha lista de rascunhos procurei algo que estivesse pendurado injustamente. Pesco este Machete que mantive em banho maria por demasiado tempo. Não posso dizer que Machete seja a minha paixoneta cinematográfica do ano porque sou uma pessoa com grande dificuldade em demonstrar entusiasmo ou qualquer estado emocional que requeira algum nível de euforia. Mas que Machete foi um belo filme de 2010, isso não podemos negar. Não será certamente uma mensagem inspiradora que possa criar benevolência e ondas universais de filantropia. Não. É apenas divertimento no seu estado mais puro. Mas atenção, não é divertimento para todos, é para quem o conseguir inserir no seu lugar. E também é o uso mais divertido de um intestino humano desde o Braindead de Peter Jackson em 1992 ou as filmagens de Tomás Taveira em 1989.
Quando em 2004 estreou a série House M.D., os seus criadores não tiveram pejo em admitir a sua principal inspiração para tão exótico personagem: Sherlock Holmes. 6 anos depois é a vez do rabo torcer a porca. Fomos então presenteados por um Sherlock Holmes fortemente baseado no Dr. House. Inteligente, mestre da dedução, irascível, controlador, possessivo, violento, sem aparentes princípios morais ou o mais pequeno sinal de respeito pelos seus iguais, permanentemente ensopado em opiáceos e com a fantástica capacidade de transformar um pedaço de aparente solidariedade em mais um acto de cruel egoísmo. E é por isso que o amamos.
A crise chega a todos e quando as familias deixam de ter dinheiro para ir ao cinema, Hollywood faz promoções, packs, leve 2 pague 1. Quando a Maria quer um filme de gaja e o Tony Macho Dominante um filme de porrada a situação agudiza-se porque é preciso desembolsar 2x(2×5.95), mais taxa de tanso 3D se for o caso. A solução? Criar um filme de gaja com porrada e explosões à fartasana para que possam desfrutar os dois o mesmo filme e ainda lhes sobra dinheiro para comprar umas t-shirts de marca para que possam ser confundidos por pessoas bem sucedidas. Aí Knight and Day vai além da sua premissa, torna-se uma sinergia de horribilidade, pega em dois filmes potencialmente ignóbeis e transforma-os no epitomo de todo o xunga, o ponto onde todos os monstros dos filmes japoneses convivem amigavelmente com cães falantes, a Bridget Jones vai às compras com o Jason Vorhees e os 7 ninjas e o Chuck Norris faz amor apaixonadamente com o fantasma de Patrick Swayze.
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