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RoboCop (2014) – primeira parte

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Uma doce e inocente memória de adolescência caminhava para casa depois de um dia de escola. Aprendera que baleias e golfinhos não eram peixes e preparava mentalmente uma surpresa para os seus pais que iriam ficar maravilhados com esta lição. Era o seu aniversário. Ao passar por uma zona mal frequentada ouviu uma voz sombria que vinha de uma ruela lateral. “Psst, anda cá. Quero mostrar-te uma coisa.” Assustada tentou recuar  mas viu-se paralisada de medo. “Chega aqui jeitosa. Vais adorar isto. É uma coisa que gostas muito.” A doce memória sentia tremer o queixo e respondeu. “Os meus pais dizem-me para não falar nem aceitar nada de estranhos”.  O homem saiu da ruela e aproxima-se da inocente memória. Com uma voz gutural retorquiu “Eu não sou estranho, garina. Chamo-me José Padilha e tu deves conhecer-me de grandes êxitos como Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.” A menina encolheu os ombros e ficou mais descansada. Afinal era uma pessoa de confiança. Que mal lhe poderia fazer um gentil brasileiro que fez, pelo menos, um bom e honesto filme? “Entras na minha casa?” insistiu Padilha. “Sim, claro!”. E lá entrou numa sala escura que parecia não ter janelas nem iluminação. Foi então que Padilha lhe agarrou nos braços e a atirou ao chão. Virou-a de barriga para baixo. Com uma mão agarrava os dois pulsos e com a outra tirava-lhe as calças e as cuequinhas cor-de-rosa com temáticas de Charlie Brown. Baixou também as suas calças e sodomizou a inocente memória de infância que gritava pela sua mãe e chorava copiosamente. Sem preparação, sem suavização. A pequena memória sentia-se rasgada em duas. O hálito a álcool de Padilha na sua cara e as dores que sentia fizeram-na desmaiar. Três horas de sodomização depois, por cima de uma memória inconsciente e ensanguentada, Padilha levanta-se e sai. Na rua espera-o um carro de vidros fumados. Aproxima-se. O vidro baixa e uma mão estendo um maço de notas de 100 dólares. Padilha chora enquanto aceita o dinheiro e de dentro do carro uma voz demoníaca diz “That’ll do, José. That’ll do!

O que é um reboot? A história que nos querem vender diariamente nos meios de comunicação dedicados ao entretenimento é que o Reboot é uma redramatização de uma obra antiga para aproveitar os meios de produção actuais e recontar um história intemporal a uma nova geração de cinéfilos que, por uma ou outra razão, tem alguma dificuldade ou preconceito em ver o original. Ora, isto são balelas. A verdade é que a malta que gere estes capitais não quer arriscar. Mais ou menos como a banca que nos empresta dinheiro para as casas. Precisa de garantias. Então perante a hipótese de lavar o seu dinheiro em produções originais e audazes que podem  ter algum impacto na sétima arte ou pegar num êxito do passado e refazê-lo, preferem a segunda parte. E desengane-se quem pensa que isto é feito pelas mesmas pessoas que querem ver perpectuar as suas obras. Longe disso. Qualquer um de vocês pode fazer um reboot.

Então como posso eu fazer um reboot? Esta equação passa sempre por uma variável essencial: capital. Se tiverem dinheiro para investir em cinema, pelo euromilhões ou porque o Michael Jackson vos pagou para negarem ter sido enrabados, é chegar à meca do cinema e dizer “Quero fazer um reboot do filme X”. Pegam numa alcateia de advogados, pagam as licenças e direitos a quem os advogados acharem que precisa, contratam as empresas necessárias, arranjam actores, um realizador e mais a outra malta toda que passa nos créditos finais e toca a filmar. Podem comprar, por exemplo, os direitos do Rambo e refazê-lo em Vila Nova de Gaia de 1979 com um combatente do ultramar que também é retornado e que se farta de ser maltratado. Pega numa metralhadora que trouxe no barco, desfaz as miniaturas de aviões para tirar as munições, tira as granadas da gaveta das meias e começa a metralhar. Isto é só um exemplo. Se tiverem dinheiro e preferirem queimá-lo numa loucura a ter  que o deixar aos sanguessugas dos vossos filhos e netos. Não é “amor pela arte e pela vontade de ver recriado um clássico para as novas audiências.” É mercado, puro e duro.

Foi o que aconteceu com Robocop. Baixou-se a classificação para os putos poderem ver e, mais importante, para vender merchandising. Bonecada, cromos, jogos, t-shirts, cuecas, dildos. Não há limite. Pague-se o fee e usa-se a marca.

O novo Robocop não começa mal. Uma cena introdutória para nos explicar, em Teerão, qual o ponto das relações internacionais dos Estados Unidos, e uma clara mensagem anti-bélica que é passada por Padilha. Provavelmente a única coisa pessoal deste filme. Depois o primeiro acto do filme é inteiramente acerca da criação do nosso herói, a vida profissional, a vida familiar, o incidente que o leva a ser desfeito aos bocadinhos, a criação do Robocop e finalmente a apresentação ao público. É a melhor parte do filme. É certo que se excede no papel familiar, porque foi a artifício narrativo de injectar emoção no filme. A mensagem das corporações maléficas também é mal passada, muito simplória e cartonesca, mas nestes filmes é sempre assim. É exagerado e ampliado para que o público se possa sentir inteligente ao perceber a mensagem. E este primeiro acto é de facto o mais interessante deste filme.

A partir do momento em que o agente Murphy entra em acção o filme torna-se numa imenso aborrecimento. É, sobretudo, incoerente. O argumento pede que sejam abordados os elementos narrativos e os personagens do original. Só que essas sequências são feitas atabalhoadamente para despachar argumento, sem nexo, sem lógica. E o mesmo em relação aos personagens. Ora este é para ser parecido com o Clarence Bodicker, este é o Dick Jones, este é o cientista, a gaja boa que repete as frases do computador, um tipo do departamento de marketing que supostamente seria o comic relief, uma milf toda mamalhuda que não é sexy o suficiente para servir apenas para preencher espaço e mandar chavões do grande livro dos clichês maléficos. Enfim, uma desgraça desconexa. O problema é que não nos identificamos com nada. Eu estou-me a borrifar para o destino daquelas pessoas. Até para a desgraça familiar do agente Murphy que parece ter sido escrita por putos de liceu que nem sequer sabem como funciona uma adulto, quanto mais a dinâmica de uma relação familiar. É verdade que se tentou desenvolver o personagem, mas ficou-se pelo tentar. Toda aquela simbologia do messias, da morte e ressurreição, do salvador da américa da versão do Verhoeven se perde para este filme perfeitamente genérico.

Se não fosse um reboot, se fosse um filme standalone, por exemplo Robot Police, seria um fracasso total. As pessoas só compreendem alguns pontos da história porque relacionam com o original. De resto é tudo tão plano, tão deslavado, tão inócuo.

Outra das coisas que me vem aborrecendo nestes filmes é a limpeza das coisas. Desde que os cenários, a composição das cenas, os personagens, etc passaram a ser feitos digitalmente os filmes passaram a ser todos limpinhos. As pessoas, as ruas, as salas, as casas, carros, tudo. Alguém deveria inventar um algoritmo de sujidade para dar textura a estes filmes. No original havia lama, ambientes sujos, ruas imundas, personagens sebentos. Isso dava credibilidade. Aqui é tudo de exemplar limpeza, algo estranho de se ver na suposta capital do crime americano. Estes pequenos detalhes criam uma camada de abstração que impede alguém de criar a empatia necessária para poder apreciar o filme e para não olhar constantemente para o relógio.

Assim não se pode pedir a ninguém que veja este filme de mente aberta, sem pensar no original. É impossível. Se o fizéssemos estaríamos perante um produto inferior ao fraquinho que este já é.

Por hoje é tudo. Voltarei a este Robocop porque a conversa já vai longa. Não percam o próximo episódio porque nós também não.

6 Comments

  1. Joao Bastos

    Baixou-se a classificação?? mas o original não era PG-13?

  2. pedro

    Eu pensava que era, até o escrevi uma vez num post. Nos estados unidos saiu R rated. Mas tenho ideia que em Portugal era para maiores de 13. Pelo menos no videoclube.

  3. pedro

    Aliás, a mim nunca ninguém impediu de entrar em lado nenhum. Nem de o alugar. E devia ter uns 14 anos.

  4. Joao Bastos

    Pois o meu futuro filho há-de ver o Robocop antes de fazer 10 anos!

  5. Pedro Amaral

    Segundo a imdb o originall é para maiores de 16

  6. Alex Ferreira

    Eles querem evitar o R ou o NC-17, para terem mais publico, e logo mais $$ na bilheteira. Dai a pressão feita nos realizadores.
    Estes remakes para mim é todo 2 horas da minha vida perdidas. Por isso passarei ao lado deste também.
    É ridículo fazerem remakes menos de 10 anos depois do original, porque o realizador ou o actor principal quiseram fazer outras coisas (Homem Aranha) ou porque acham que conseguiam fazer melhor que um original excelente (Desafio Total), ou porque o primeiro reboot não correu bem (O homem de aço).
    Mas porque o poder do dólar é mais forte que tudo, é óbvio que irão existir mais Aliens de bengala, mais franchises recauchutadas até ao limite.
    Nem tudo é mau, a continuação de Star Wars é a concretização do projecto de vida de George Lucas, que nas mãos de JJ Abrahms tanto pode ser bestial como uma bestialidade…a ver vamos.

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