Haveria de passar uma semana até saber o que o destino havia guardado para o futuro do cinema. Mas naquela noite, ao início da madrugada de um tempo em que apenas existia para mim a sessão da meia noite, naquela noite fresca e convidativa para a juventude se abandonar à conversa casual e das certezas absolutas dos 20 aninhos, naquela noite tinha saído do Cineteatro Avenida em Coimbra onde vi o Last Action Hero. Os meus olhos brilhavam como uma teenager de Anime e o coração batia forte. O último filme de Arnold Schwarzenegger era um marco incontornável no cinema e na carreira do meu action hero preferido. Arnie reinventou-se numa altura em que toda a gente se perguntava “E agora? O que vai Schwarzenegger fazer quando já chegou ao pináculo?”. Bom, e foi assim que se reinventou num meta filme dentro de um filme dentro de um filme a olhar de fora para dentro e, simultaneamente, de dentro para fora, e dos lados e de cima para o cinema. Inverter a estrutura, partir a 4ª parede e criar a 5ª dimensão.
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“Onde estavas aquando da chegada dos extra-terrestres?” será a pergunta mais feita pelos terráqueos naquele intervalo de 3 semanas que separa a chegada dos nossos amigos do espaço sideral e a obliteração total da vida na Terra. E como nos preparamos para isto? Será possível executar essa preparação sem parecer um tolinho da conspiração? É na continuação deste simulacro conceptual que Denis Villeneuve assenta o seu exercício imaginado materializado em filme semi-blockbuster de época baixa Arrival.
Fez agora 3 anos que escrevi um texto entitulado “Porque deixei de ver filmes de super-heróis“ em que expliquei a razão que me levaria, à altura, abandonar o género blockbuster de heróis de borracha negra e licra nadega adentro. A razão principal, para que não tem paciência para chafurdar na minha psicanálise, era o facto indiscutível de que eu não me enquadrar no público alvo. “Não és tu, sou eu!”. Acontece que o destino haveria de se encarregar de me chutar os tomates poucos dias depois, quando o meu filho me pediu para ver os Avengers. Mais que isso, queria que lhe explicasse toda a história que está para trás, uma vez que uma criança de 5 anos não tem tempo para backstories. Quando o miúdo recuperou a consciência das duas bofetadas que lhe administrei em fúria não justificada e perfeitamente gratuita, lá comecei calmamente a explicar-lhe o pouco que sabia. Postura confiante, voz firme e o cérebro sob efeito de um blister inteiro de calmantes. Bem sei, não se faz e será a minha sina passar a fase vegetal da minha terceira idade num lar a cheirar a urina e solidão.
Está quase a fazer uma semana que me desloquei do recato do meu lar a uma estreia de Star Wars às 00:01, com o único intuito de não ser apanhado no jogo de spoilers que se estava a preparar na Internet. Comprei o bilhete com antecedência e fiz-me acompanhar com uma bela dose de optimismo para ver o que iria a Disney fazer ao Star Wars que tanto amamos. Resta-me dizer, para aqueles que ainda não viram e por isso não vão continuar a ler, que foi uma terrível desilusão, uma traição e o mais desonesto saca euros de que há memória. Passo aos spoilers propriamente ditos e se não viram ainda, retirem-se desta casa ou vejam outra review. Gajas em pelota nos peitinhos da quinta, por exemplo.
Viva amiguinhos! Para este primeiro parágrafo vou pedir-vos que fechem os olhos e me imaginem a descrever com doçura e paixão as memórias que tenho do primeiro Jurassic Park e como ele me moldou a mim e ao cinema em geral. Isto estando eu sentado num confortável sofá vintage com uma manta de patchwork em frente a uma farta biblioteca recheada da mais poderosa literatura do planeta. Alguns livros ainda embrulhados em celofano. Num dos cantos está uma lareira que crepita freneticamente aquecendo as minhas pernas nuas e a música de fundo é Ballade Pour Adeline de Richard Clayderman que aumenta de intensidade à medida que as minhas próprias memórias me obrigam a lacrimejar e a invocar aquela última vez em que a minha tia avó Natércia nos acompanhou ao cinema para ver… exactamente, Jurassic Park de 1993! E como toda esta narrativa enrola de modo inteligente no início do texto que se seguirá no segundo parágrafo. Continue reading
Há filmes que nos apanham de surpresa e outros há que se fazem anteceder por uma comitiva de arautos que nos vêm massajar o sistema límbico, dando garantias de qualidade antecipada, o famoso hype. Gone Girl é um desses exemplos de filme que se fez sonoramente anunciar. Porque é realizado por um ilustre, porque tem o Ben Affleck (a humedecer vulva na faixa etária entre os 30 e 55 anos) e baseado num best seller de prestígio. Talvez o prestígio do livro até tenha sido criado pela existência do próprio filme. É um caso típico de masturbação circular, criação de rentáveis produtos paralelos a partir do nada. E com “nada” quero na realidade dizer 200 milhões de dólares em marketing, trafulhice subliminar, bullying legal e velhacaria em geral. Não sendo minha função emitir juízos de valor, que faço ainda assim, vamos aqui filosofar acerca de Gone Girl e perceber se estamos perante obra digna de futura herança cultura dos anos 10 do século XXI ou se é apenas mais um pomposo balde dourado de caca de vaca.
Há algum tempo atrás estava num fórum de cinéfilos duros, malta insensível às formulas gastas do mainstream, e numa thread de novidades perguntei que tal era o novo filme do Tom Cruise. penso que na altura era o Jack Reacher. Esperava eu um tom jocoso e brutalmente cruel para com a vida e obra deste excelso cientólogo quando um dos históricos me responde assim: “Há algum filme do Tom Cruise que seja mau?”. Ora isto meteu-me a pensar na vida, no universo e, na verdade, em toda a existência. Um movimento gasto, inconstante e empoeirado de velhas rodas dentadas deu-se na zona encefálica desta velha carcaça e começou um exercício de pesada ponderação que viria a durar dias.
Tal como todas as minhas crónicas, também esta se rege pela exactidão e o rigor histórico. Não existe nela a mais pálida centelha de intrujice nem falácias de retórica. Comecemos. Corria o ano de 2654 e um jovem abastado das grandes famílias de Hwange, herdeiro das mais proveitosas minas de Neodymium, Herbium e Lanctanyum nos cintos de asteroides dos planetas gémeos gigantes de Gliese (81a e 81b) olhava pela janela contemplando o nada, aquele ponto intermédio de quando estamos a divagar na nossa natural letargia matinal. Arregalou rapidamente os olhos e levantou-se. Pegou na mochila com módulo para viajar no tempo e no capacete BrainSynchro, acessório obrigatório, e correu pela casa à procura das portos de exaustão espaço-temporais. Não os usava com frequência e confundia-se sempre. Estava decidido a viajar para o ano de 2014 e assistir à estreia de um dos seus guilty pleasures favoritos, Guardians of the Galaxy. É um dos poucos filmes que ainda existem comercialmente daquela época em que um país, Estados Unidos da América, liderou temporariamente as tendências mundiais do cinema. Agora é um local estéril ainda sob um manto denso de inverno nuclear onde nem as amibas conseguem viver. Mas qual o país do hemisfério norte que não está assim, não é? O rapaz (chamemos-lhe rapaz) tinha este filme em HD, UHD, 3D, Imerton2032, Holodeck Vision, HipnoTech, SuperIncrivelHD (3D e cheiro) e PornoSpoofEnablerUHD. Ainda assim quis voltar ao tempo em que as pessoas o viram pela primeira vez. Carregou no botão que sincroniza as ondas cerebrais com o módulo de viagem no espaço-tempo e desapareceu. Ter-se-à esquecido de um frango churrasco liofilizado com migas que a sua mãe lhe havia preparado. A comida do séc. XXI é tão tóxica todos os viajantes voltam sempre de lá para passar uma semana submergido numa piscina estaminal reconstrutora, como aquela onde metiam o Vegeta quando apanhava no focinho. Excepto a comida chinesa à base de carne de cão, uma delícia e ainda por cima saudável.
Will Smith sempre foi um insuportável bonacheirão, um pirralho de morais questionáveis, na eterna fronteira do adorável / insuportável / “matem-no com fogo”, um efeito secundário de um sitcom que correu melhor do que esperado. Agora, subitamente, transformou-se num pai preocupado, num modelo de patriarquia. Uma abrupta mudança de direcção cuja inércia do movimento rápido nos deixou a todos com uma certa náusea, algo comparável com enjoo marinho ou como quando atravessamos o Algarve pela montanha junto a Espanha num autocarro de Rodoviária de 1982, com aquele inebriante cheiro que é uma mistura de plástico em decomposição com ceroulas usadas duas semanas seguidas sem ver água. Neste novo modelo de Will Smith assistimos a tentativa após tentativa de enfardar o seu filho na elite Hollywoodiana, como que a querer encaixar um cubo num buraco redondo. É nobre que o faça, é o seu dever de pai. No entanto, como estrela de topo na indústria com décadas de experiência, Smith deveria perceber como funciona a sua própria profissão e compreender que há coisas que não podem ser forçadas. Uma criança sem carisma, sem talento e sem as qualidades representativas do seu pai irá ser, no limite, chacinado pela crítica e pelo público.
Jaime era uma rapaz de 23 que tinha acabado de arranjar um emprego como engenheiro mecânico numa marca automóvel famosa, com ordenado mínimo e contrato a 3 meses. Conheceu Alice, uma adorável garota de 25 anos no café onde tomava o pequeno almoço. Palavra puxa palavra e Jaime convida Alice para uma ida ao cinema. “OK!” diz ela enrubescida enquanto acaba de tomar o seu Capuccino. Nessa noite encontraram-se frente ao cinema e quando Alice se dirigia à bilheteira, Jaime sussurrou-lhe ao ouvido “Onde vais tontinha? Já aqui tenho os bilhetes!” e piscou-lhe o olho com uma malícia perfeitamente aceitável para a ocasião. Duas horas depois saem do cinema e dirigem-se para casa de Alice para ver uns posters que ela encomendou da Amazon. Os dois perceberam a razão dessa visita, mas nenhum quis admitir. Antes de entrar em casa, a rapariga pede-lhe que se descalce, pois não quer sujar a sala que tinha sido aspirada durante a tarde. Jaime entrou descalço. “3 gatos?”, perguntou. “Na realidade são 12, mas alguns marotos andam na rua. São os meus filhinhos”. Alice pediu desculpa e ausentou-se para vestir algo mais confortável. Jaime sorriu de modo maroto e sentiu uma ligeira erecção a imaginar a noite de deboche que tinha pela frente. Ouviu um ligeiro barulho atrás do sofá onde estava sentado e ao tentar virar-se sentiu um dor aguda na base do crânio. A sala pareceu-lhe rodar 90 graus mas podia ser apenas um efeito óptico por estar a cair meio inconsciente em direcção à alcatifa. A última coisa que sentiu antes da visão se ter enegrecido e depois enchido de estática, foi um gatinho que se apressou a lamber-lhe o sangue que lhe descia pela testa.
Emboscado por uma avalanche de crítica surpreendentemente positiva, atirei-me com unhas e dentes a Thor. Como poderia um filme cujo personagem principal ter o aspecto apaneleirado do desconhecido quinto membro dos ABBA e envergar o fato mais estratosférico de sempre ser considerado um clássico instantâneo? Bem, aparentemente hordes de pacatos e bem intencionados cinéfilos caíram na bem urdida “Armadilha Shakespeare”. Esta armadilha não é original nem sequer é um artefacto raro. É usada em abundância pela indústria cinematográfica americana mas a fúria assassina daqueles que são constantemente enganados por ela acaba por se esvair num modesto nada devido à habitual falta de concentração provocada pela hiper-estimulação que essa indústria usa para nos manter sedados.
A crise chega a todos e quando as familias deixam de ter dinheiro para ir ao cinema, Hollywood faz promoções, packs, leve 2 pague 1. Quando a Maria quer um filme de gaja e o Tony Macho Dominante um filme de porrada a situação agudiza-se porque é preciso desembolsar 2x(2×5.95), mais taxa de tanso 3D se for o caso. A solução? Criar um filme de gaja com porrada e explosões à fartasana para que possam desfrutar os dois o mesmo filme e ainda lhes sobra dinheiro para comprar umas t-shirts de marca para que possam ser confundidos por pessoas bem sucedidas. Aí Knight and Day vai além da sua premissa, torna-se uma sinergia de horribilidade, pega em dois filmes potencialmente ignóbeis e transforma-os no epitomo de todo o xunga, o ponto onde todos os monstros dos filmes japoneses convivem amigavelmente com cães falantes, a Bridget Jones vai às compras com o Jason Vorhees e os 7 ninjas e o Chuck Norris faz amor apaixonadamente com o fantasma de Patrick Swayze.
Sou a pessoa indicada para falar de euforias de tecnologias de primeira geração. Esse fascínio da novidade que me seduz como a décima musa de Lesbos, como aquela luz assassina que atrai os mosquitos para a sua perdição. Eu, que tenho em casa gavetas cheias de palm tops, PDAs, smartphones e outros gadgets idiotas só porque tive dificuldade em esperar que uma tecnologia amadureça. A história ensina-nos lições importantes de assombros cegos de primeira geração que morreram rapidamente, fazendo os seus embaixadores lambe-bolas parecerem ridículos palhaços à chuva, com a maquilhagem a escorrer pela face, com um sapato roto a ver-se o dedão Exemplos como a MiniDisc, HD DVD, videogravadores Beta, laserdisc, o videotelefone, os carros que falam ou aquele pedacinho de cartão que permite que as senhoras se aliviem em urinois.
Depois do enorme sucesso que foi o primeiro Transformers, eis que Michael Bay regressa com uma sucessão interminável de fogo de artifício, um festim de detalhada maquinaria ao ponto de não se perceber sequer o que está a acontecer no ecran, numa orgia de bandeiras americanas e glorificação bélica. Um filme carregado de simbologia fálica e onde não se via tanta tensão homossexual desde “Brokeback Mountain”.
Sabendo de antemão que todos os putos que outrora que gostavam de GI Joe cresceram e se fizeram homens, e que os putos de hoje em dia estão-se bem a cagar para estas nostalgias dos sucateiros dos anos 80, resta apenas uma única franja de público que pode apreciar este filme com entusiasmo: os que sofreram uma paralisia cerebral e que lhes permitiu manterem-se sempre jovens. Não no sentido de querer ficar solteiro, andar de kayak e jogar Playstation, mas no sentido clínico, patológico e retardado da expressão.
Este fim de semana revi o Rambo 2. Foi tal a dose de matança que fez de mim mais homem. Como se me tivesse crescido um quarto testículo. Uma vontade imensa de estripar apoderou-se de mim mas depressa esmoreceu quando Rambo cedeu ao romance e beijou a chinesa. Já não me lembrava dessa cena. Mas o amor é rapidamente interrompido pela execução sumária da amante oriental (uma rajada de balázio nas mamas). E a partir daqui é morte, destruição, carnificina, violência gratuita e uma eterna existência onanisma para o nosso musculado herói.
Post do cinema xunga daqui a 100 anos: “Agora que se revive uma onda de usar humanos em filmes, faz hoje 100 anos que o pioneiro desta técnica estreou. Val Helsing. Primitivo, certamente, mas o uso minimalista de humanos fez dele um clássico, lado a lado com o volume 17 de Star Wars e o Porky’s 2076, feito com porcos de verdade… ” . Não estou certamente longe da verdade ao colocar aqui a minha costela de futurologista, mas o certo é que o excesso de gráficos de computador tornou um filme num ode às texturas de plástico, e nos momentos em que passei acordado, procurava desenfreadamente o meu joystick. Continue reading
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