Era uma manhã quente de Verão em meados dos anos 90. Não tinha ainda recuperado totalmente a consciência num bar nos arredores de Proença-a-Nova e já um senhor de meia idade estava a falar comigo. Ignorei-o, como faço a toda a gente, mas o seu matraquear era imparável e percebi que só depois de o ouvir me poderia ver livre da sua maçuda companhia. Chamava-se Alcides e dizia ser bastante conhecido em Portugal devido ao seu disco de música popular “Levar leitinho na bilha”. Anuí por compaixão. Estava acompanhado de um acordeão e uma rapariga jovem de ar muito usado que dizia não se poder sentar porque lhe doía o cu.
Implorei por pequeno almoço, sempre debaixo do bombear constante de palavras que me pareciam difusas por não estar a prestar atenção. Negaram-me serviço, porque até às 14 horas o bar servia de templo de um culto de contornos satânicos para jovens com problemas emocionais provocados por falta de atenção. Alcides apertou-me as bochecas e virou-me violentamente a cabeça para que pudesse olhar para ele. Cheirava a tabaco antigo e podia sentir um intenso cheiro a sovaco quando ele abanava muito os braços.
“Pedro“, disse, “És um homem do cinema. Disseste-me ontem. Se conseguires fundos para a minha ideia podes ficar com os direitos de autor dos meus próximos 3 discos. E tu sabes bem a força que tem a minha ideia, uma epopeia pós moderna, segundo palavras tuas.” De imediato percebi duas coisas. A avaliar pelo Renault Super 5 carcomido de ferrugem e autocolantes a dizer Turbo deduzi que os direitos de autor dos próximos 3 discos do Alcides não dariam para uma rodada de traçado na Casa de Pasto “Trincheira Húmida” (na Sertã). A outra coisa é que me tinha esquecido da carteira e disse ao senhor Alcides que era produtor de cinema para que me pagasse copos a noite toda na esperança de levar a sua história de amor em tempo da Guerra Civil espanhola.
A partir desse dia jurei nunca mais enganar ninguém, porque a verdade acaba por vir sempre à tona, mas no dia seguinte falhei miseravelmente nas minhas intenções de honestidade eterna ao mentir a uma atraente filha de pastores dizendo que era filho do presidente da Yoplait. Posto isto não vos vou fazer perder mais tempo. O filme em questão tem uma animação interessante mas falha por falta de estrutura narrativa. É sensaborão e a questão política é algo com que não me identifico particularmente.
Naquela manhã de Agosto dos anos 90 acabei por ter pena do senhor Alcides e do seu sonho de realizar um filme. Nunca confessei a minha verdadeira identidade de traste aldrabão parasita da sociedade, mas ouvi tudo o que tinha para me dizer e até cheguei a trazer o guião que se revelou útil num período de gastroenterite particularmente forte. Mais tarde reparei que a moça que o acompanhava tinha desaparecido. Perguntei por ela. Respondeu-me que tinha ido enrolar um gordo. “Charro?!?“, perguntei. “Não…“, respondeu prontamente, “Um senhor obeso!“
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Hoje em dia é mais Danone.
Isto até dá vontade de ir a Proença-a-Nova ver o filme. :D:D:D:D
Epah eu não sei… mas tens mais histórias p’ra contar que o Avô Cantigas