Há algum tempo atrás estava num fórum de cinéfilos duros, malta insensível às formulas gastas do mainstream, e numa thread de novidades perguntei que tal era o novo filme do Tom Cruise. penso que na altura era o Jack Reacher. Esperava eu um tom jocoso e brutalmente cruel para com a vida e obra deste excelso cientólogo quando um dos históricos me responde assim: “Há algum filme do Tom Cruise que seja mau?”. Ora isto meteu-me a pensar na vida, no universo e, na verdade, em toda a existência. Um movimento gasto, inconstante e empoeirado de velhas rodas dentadas deu-se na zona encefálica desta velha carcaça e começou um exercício de pesada ponderação que viria a durar dias.
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Tal como todas as minhas crónicas, também esta se rege pela exactidão e o rigor histórico. Não existe nela a mais pálida centelha de intrujice nem falácias de retórica. Comecemos. Corria o ano de 2654 e um jovem abastado das grandes famílias de Hwange, herdeiro das mais proveitosas minas de Neodymium, Herbium e Lanctanyum nos cintos de asteroides dos planetas gémeos gigantes de Gliese (81a e 81b) olhava pela janela contemplando o nada, aquele ponto intermédio de quando estamos a divagar na nossa natural letargia matinal. Arregalou rapidamente os olhos e levantou-se. Pegou na mochila com módulo para viajar no tempo e no capacete BrainSynchro, acessório obrigatório, e correu pela casa à procura das portos de exaustão espaço-temporais. Não os usava com frequência e confundia-se sempre. Estava decidido a viajar para o ano de 2014 e assistir à estreia de um dos seus guilty pleasures favoritos, Guardians of the Galaxy. É um dos poucos filmes que ainda existem comercialmente daquela época em que um país, Estados Unidos da América, liderou temporariamente as tendências mundiais do cinema. Agora é um local estéril ainda sob um manto denso de inverno nuclear onde nem as amibas conseguem viver. Mas qual o país do hemisfério norte que não está assim, não é? O rapaz (chamemos-lhe rapaz) tinha este filme em HD, UHD, 3D, Imerton2032, Holodeck Vision, HipnoTech, SuperIncrivelHD (3D e cheiro) e PornoSpoofEnablerUHD. Ainda assim quis voltar ao tempo em que as pessoas o viram pela primeira vez. Carregou no botão que sincroniza as ondas cerebrais com o módulo de viagem no espaço-tempo e desapareceu. Ter-se-à esquecido de um frango churrasco liofilizado com migas que a sua mãe lhe havia preparado. A comida do séc. XXI é tão tóxica todos os viajantes voltam sempre de lá para passar uma semana submergido numa piscina estaminal reconstrutora, como aquela onde metiam o Vegeta quando apanhava no focinho. Excepto a comida chinesa à base de carne de cão, uma delícia e ainda por cima saudável.
A história que vos vou contar pauta-se pela verdade, daí haver um ou outro pormenor mundano que vos possa enfadar. A realidade é assim, sem efeitos especiais nem jumpcuts. Eram 5 da tarde e deslocava-me no Metro Mondego em direção à estação dos Hospitais da Universidade de Coimbra, aquela com ligação ao TGV e os 5 parques subterrâneos climatizados a Hélio 21 Oxidoplasmático. Um roliço trintão de chapéu de feltro (vulgo Fedora) falava de cinema a duas caloiras de Enfermagem cujos seios pareciam tentar escapar por cima a uma indumentária 2 números abaixo, tops de licra apertados capazes de provocar paralisia respiratória a um possante equídeo. O rapaz concluía o seu raciocínio “… e esse senhor é o Tim Burton!”. As raparigas jaziam deslumbradas e a mais loura disse “Adoro o Tim Burton, Alice no país das maravilhas é um dos meus filmes de infância preferidos.” O rapaz do Fedora sorriu complacentemente e retorquiu em modo guru. “Não miúda, não é esse filme que estou a falar, é outro, um clássico, dos primeiros da sua carreira. O Planeta dos Macacos.” Arregalei os olhos acima do meu escalpe e pensei “Caralhos te fodam, atrasado do caralho. Pregar-te os colhões à linha do comboio era pouco”. Virei o olhar para a janela no momento exacto que passávamos pelo glorioso túnel de Celas adornado com a arte retroiluminada de Garth Ennis. Enquanto me sentia superior cheguei à triste conclusão que há realizadores que gosto mas conheço pouco da sua fase inicial da carreira, como o Abel Ferrara (por exemplo). Não me deixei, porém, abater por esse excesso de realidade e voltei às minhas fantasias de superioridade moral, essa sensação que os mantém afastados do suicídio. O desdém para com aquele miserável ajudou a equilibrar as minhas directrizes de vida e a elaborar um rápido top 5 de Abel Ferrara da fase que melhor conheço.
Há uns meses comecei a ver Into The Void de Gaspar Noé. Não sendo muito acessível é, sem dúvida, um grande realizador. O filme estava-se a compor, boa introdução e buildup, muito bonito, muito bem realizado. Etéreo, colorido, modernaço. Planos gloriosos, cenas compostinhas, representação cinema 2.0 com o típico toque de hiper-realidade, abundância de belas mamas, coisas que enriquecem sempre a experiência cinematográfica. Ora, rapidamente este filme resvala para a mais deprimente miséria infligida a duas crianças num flashback se torna a coluna vertebral de todo o filme. Não é um mero momento de passagem, o Noé usa-o como cavalo de batalha, espanca-nos com o conceito. Quis o acaso do momento que esse casalito de irmãos que sofre as mais nefastas bofetadas do destino tivesse a mesma idade dos meus dois filhos mais velhos. “Foda-se, não aguento esta merda!”, pensei. “Que peso aterrador, difícil de respirar…”. Imediatamente carreguei no STOP, só que estas coisas não desaparecem assim. Até a minha mulher me perguntou que cara de carneiro mal morto era aquela e eu respondi prontamente “Nada, continuo viril com um talhante prussiano.” Durante dias aquelas visões atormentaram-me. Olhava para os miúdos a brincar e pensava nas pobres crianças do filme. Acabou por desaparecer com o tempo mas o certo é que há filme difíceis de ver quando temos filhos. Filhos que sabemos existir e que amamos. Não me estou a referir a bastardos que ficaram no ultramar ou daquela galdéria a quem demos 80 contos em 1986 para ela ir fazer um aborto e ela guardou o dinheiro para comprar uma televisão a cores, teve o puto e apareceu 18 anos depois a pedir dinheiro para a faculdade quando o puto afinal até era repositor de stocks no Minipreço e nunca tinha passado da terceira classe.
Num episódio de Parker Lewis Can’t Loose no início dos anos 90, Mike (o roqueiro musculado de inteligência limitada) perguntava horrorizado a Parker Lewis “Documentário? O que raio é um documentário?”. Parker, com a sua paciência descontraída e a infinita amizade por Mike respondeu “Bem Mike, um documentário é um rockumentário, mas sem rock.” Mike, afável bonacheirão, encolhe os ombros e eleva ligeiramente as sobrancelhas num esgar de compreensão. É de rockumentários que vamos falar hoje, mais precisamente do rockumentário de todos os rockumentários, ainda que em versão mocumentário, o lendário “This is Spinal Tap”que retrata a dura realidade da maior banda ficcionada de todos os tempos.
Lembro-me perfeitamente do medo dos russos, dos seus misseis, da sua radiação, da sua eminente invasão. A paranóia era tal que as pessoas criavam cenários pós apocalípticos tão aterradores que os levavam a esgotar os mantimentos nos supermercados e a fazer caves anti-bomba por baixo das suas casas. Os jornalistas gritavam histéricos como apresentadores do telejornal da Coreia do Norte e alguns até molhavam as calcinhas apavorados com receio da aniquilação global. E isto em pleno 2014, quando anexaram a Crimeia, imaginem agora como era no tempo da guerra fria em meados dos anos 80, aquela fase que presenciei. O certo é que a visão que tínhamos dos soviéticos era a que nos fornecia o cinema americano, distorcido até ao absurdo pela máquina propagandística da liberdade e democracia, nem que seja infligida à bofetada. Vamos hoje falar de alguns hits da altura e do seu impacto na minha impressionável mente.
Nos dias que correm as pessoas não têm tempo a perder, querem a rotina automatizada e despachada antes das 20h para poderem passar o resto da noite a ver a SIC. Ora, a pensar neste flagelo que assola a nossa sociedade, vou testar hoje o conceito do walkthrough para filmes. O walkthrough, em videojogos, é o termo usado para o guia que permite ao jogador mais impaciente avançar pelos níveis sem delongas. Em cinema pode ser igualmente útil. Porquê perder imenso tempo com os actores a matracar infindáveis bláblás quando alguém o pode fazer por nós, como uma mamã águia que mastiga os alimentos antes de os regurgitar carinhosamente na boca dos seus filhote? Interessa mesmo perceber a simbologia implícita, os segredos da composição e do grafismo, a crítica social, a arte que centenas de profissionais dedicam para que os possamos insultar quando pirateamos os seus filmes da Net? Vamos então começar por um clássico dos videoclubes dos anos 80, The New Barbarians ou Heroes of the Wasteland, que em Portugal foi abençoado com o original título “Os Implacáveis Exterminadores”. A minha descrição será acompanhada por videos em Webm, um prodígio do novo HTML5.
A moda cinematográfica do momento é a Bíblia. A Bíblia em 3D. A Bíblia em 3D com imenso CGI. E jovens semi-nuas, só para não alienar o público ateu, agnóstico, stoners, pedófilos, sodomitas e membros do clero em geral. O fabuloso “The Fist of Jesus”, filme já abordado por mim e por outros apóstolos em conversa casual de facebook, aproveita a onda e inicia um crowdfunding para tentar extender esta obra para um patamar de reconhecimento global em versão longa metragem sob o nome de “Once Upon a Time in Jerusalem”. Mas afinal que de que trata esta heresia do “Fist of Jesus”?
Andei às voltas com os papelitos na minha carteira e decidi compilar num artigo um manual que possa fazer qualquer azeiteiro do tunning num especialista em Sylvester Stallone, porque os mais velhos se estão a reformar e não há especialistas suficientes para os substituir. Ora aqui fica então um “10 coisas que provavelmente até sabias sobre Stallone mas nunca te debruçaste muito sobre o assunto.” Com extras.
Ontem foi dia do Pai e eu tive o privilégio de almoçar com o meu. Um almoço normal sem sentimentalismos sazonais. Não foi marcado pela solenidade do dia, foi fruto das tropelias do destino. Falámos de futebol (em termos leigos para eu perceber), de saúde, de cinema e das séries que ele agora vê. Falámos dos netos, da família, dos cães, dos gatos, do preço do frango ser exorbitantemente baixo ao ponto de se dever desconfiar da qualidade para consumo público, dos morangos que plantou só porque os netos gostam de os apanhar e comer “au naturel”. Já não moro com ele há quase 20 anos, não estou longe, mas é cada vez mais complicado apanhar assim um momento. Já não é o mesmo tipo de pai que era nos anos 80, é agora um orgulhoso avô. O meu pai nunca deixou a família para passar a noite com os amigos, nunca se negou a ler-me legendas de filmes completos antes de eu saber ler, contra a vontade da minha mãe atrasou-me várias vezes a hora de deitar para que pudesse ver o The Incredible Shrinking Man, o King Kong ou o Tarantula de 1955. O meu pai ofereceu-me uma metralhadora de aspecto realista que era a inveja dos putos todos da rua. Levava-me ao cinema itinerante lá do lugarejo todos os domingos, religiosamente. “Olha que ele é novo demais”, dizia a minha mãe. “Não lhe há-de fazer mal nenhum!”, respondia ele sem nenhum pedo-psicólogo a infernizar as ondas hertzianas para o contrariar. Acompanhava-me e aos meus amigos nas futeboladas e deixava-me marcar-lhe golos quando estava à baliza. Foi o meu primeiro grande amigo, o original Bro. Ainda o é, mesmo com as azáfama das nossas vidas. Não somos lamechas nem falamos de paneleirices. Só coisas de homem. Ferramentas, técnicas recentes que vieram revolucionar a tradicional matança do porco e da noite de natal em que nos baldámos à missa do galo para ver o Predator 2. Vê-lo a ser assim com os meus filhos faz-me parar o tempo mentalmente para apreciar aqueles momentos. Mesmo que tenha que disfarçar a emoção quando a minha mulher me pergunta porque estou ali parado a olhar para ontem se há ainda tanta louça para por na máquina. Tem as melhores ferramentas e aparece sempre que há alguma tarefa mais bricolática para fazer, mesmo sem eu pedir.
Todos os meses aparece um paneleirinho no telejornal com uma resma de folhas, listagens de impressoras matriciais em papel contínuo, a dizer que o mundo está mal e os lucros caem porque Portugal esconde o pior antro de pirataria de que há memória no planeta nos últimos 1000 anos. Que não consegue pagar as prestações dos BMWs e das casas do Algarve. Que se fosse ele a governar, mandava enforcar mil putos que fazem downloads “ilegais”, para dar o exemplo, e que devia dar em directo na TV no Zig Zag da RTP2 para as crianças aprenderem que piratear conteúdos pode correr mal. Esse mesmo paneleirinho é mais tarde chamado ao tribunal onde apanha um puxão de orelhas porque violou quantas leis existem de privacidade e as suas bases de dados não obedecem a uma única directiva da comissão nacional de protecção de dados. Que afinal até usou software pirata para elaborar os resultados porque “desconhecia que o Office era a pagar”. Esta última parte já não passa no telejornal das 20h porque não tem o glamour necessário para meter desdentadas de 91 anos a elaborar opiniões baseadas em preconceitos sócio-culturais colonialistas e orientações católicas pré-concílio vaticano segundo. E com isto fica a ideia de que somos todos uns ladrões que não querem pagar a magnifica qualidade e variedade de produtos de preço acessível que o mercado nacional nos disponibiliza em prol de uma nação desenvolvida sob a batuta da excelência artística. A verdade é que isto é a mais vil mentira. Um grupo restrito de distribuidores quer extrapolar os lucros oferecendo horríveis produtos a preços pornográficos e querem que o público os consuma à força, sob pesada ameaça, apoiados por um sistema que os protege e obriga o seu povo a empobrecer para que estes tipos possam brilhar na bolsa, nas reuniões com as empresas mãe e naquelas reuniões secretas onde invariavelmente alguém acaba voluntariamente a oferecer uma rodada de felácio*.
A dor da perda e a tardia percepção de se amar sem ser amado desencadeia uma série de mecanismos de auto-defesa compulsivos inconscientes e involuntários. Uns enfardam pastelaria sortida na tentativa de encher o colossal vazio de chocolate, creme de pasteleiro e massa folhada à base de gorduras hidrogenadas e cancerígenos em geral, outros consomem inutilidades na esperança de substituir a dor da alma pelo catálogo da Benetton, outros compram cães, gatos, coelhos e toda uma panóplia de fauna que por vezes atravessa a fronteira daquilo que é um animal de estimação para aquilo que poderá ser uma bela chanfana. Outros compram uma caçadeira de canos serrados, metem-se num ford escort de 1997 e atravessam 0 país a matar gente para depois relaxarem num belo banho de sais enquanto esfregam os sangue e as vísceras da cara. O importante é exteriorizar a dor e não enlouquecer com ela a fervilhar-nos o cérebro até à loucura
Há dois ou três dias atrás estava enterrado em trabalho. Sobrecarregado para além do suportável, daqueles dias que só queremos ver pelas costas. Fechei todas as janelas de browser para não me distrair com a Internet, coloquei os auscultares para ouvir qualquer coisa que me isolasse do mundo. De repente sinto um tremer nas calças e disse “Agora não pénis, estou a trabalhar.” E voltou a tremer. E outra vez e outra vez. Bolas, tinha-me esquecido do telemóvel ligado e estava a receber as habituais tempestades de notificações do Facebook, Twitter, 6 contas de email, malta do skype e do gmail, mensagens do Viber e as notificações de que as aplicações precisam de ser actualizadas para a nossa vida continuar a fazer sentido. Abandonei os afazeres e entreguei-me ao mole prazer de vasculhar aquela merda toda à espera daquela mensagem que traga sentido á minha existência, uma mensagem divina ou um simples convite ao deboche. Nada. Likes, tu coças as minhas costas que eu coço as tuas, Lols e winks a dar com um pau, email a dizer que a encomenda já tinha sido enviada numa embalagem discreta. Enfim, o mesmo de sempre. Entre elas havia um daqueles irrecusáveis links de “A lista definitiva dos anos 80. O melhor. Ever.” Ora foda-se, se não clico vou acordar com suores frios. Ok, aqui vai. click, click, click. Vi 46 dos 50 títulos. 3 dos que faltam são daqueles que não toco nem com um pau de 5 metros e um nunca ouvi falar. Malibu Express. “Mas que diabos?… Agora é que não vou ter descanso se não vir essa merda.” Videoclube do povo, click click click. Yes, I agree. Beber café enquanto a coisa se dá. Tufas… Aqui vamos nós. Play.
No decorrer das filmagens de Robocop, José Padilha terá ligado ao seu conterrâneo também realizador Fernando Meirelles num aparente breakdown nervoso a dizer que não aguentava mais, que estava a ser a pior experiência da sua vida e que o estúdio recusava 9 em cada 10 ideias que propunha nas filmagens. Além disso, sabe-se também que Padilha e o protagonista Joel Kinnaman lutaram para que o filme tivesse um rating de R (maiores de 16) de modo a criarem uma obra mais violenta, com uma linguagem (falada e cinematográfica) que lhes permitisse dar corpo à sua visão ao mesmo tempo que se tornava mais fiel ao original. Porque terá sido Padilha assim tão castrado?
Uma doce e inocente memória de adolescência caminhava para casa depois de um dia de escola. Aprendera que baleias e golfinhos não eram peixes e preparava mentalmente uma surpresa para os seus pais que iriam ficar maravilhados com esta lição. Era o seu aniversário. Ao passar por uma zona mal frequentada ouviu uma voz sombria que vinha de uma ruela lateral. “Psst, anda cá. Quero mostrar-te uma coisa.” Assustada tentou recuar mas viu-se paralisada de medo. “Chega aqui jeitosa. Vais adorar isto. É uma coisa que gostas muito.” A doce memória sentia tremer o queixo e respondeu. “Os meus pais dizem-me para não falar nem aceitar nada de estranhos”. O homem saiu da ruela e aproxima-se da inocente memória. Com uma voz gutural retorquiu “Eu não sou estranho, garina. Chamo-me José Padilha e tu deves conhecer-me de grandes êxitos como Tropa de Elite e Tropa de Elite 2.” A menina encolheu os ombros e ficou mais descansada. Afinal era uma pessoa de confiança. Que mal lhe poderia fazer um gentil brasileiro que fez, pelo menos, um bom e honesto filme? “Entras na minha casa?” insistiu Padilha. “Sim, claro!”. E lá entrou numa sala escura que parecia não ter janelas nem iluminação. Foi então que Padilha lhe agarrou nos braços e a atirou ao chão. Virou-a de barriga para baixo. Com uma mão agarrava os dois pulsos e com a outra tirava-lhe as calças e as cuequinhas cor-de-rosa com temáticas de Charlie Brown. Baixou também as suas calças e sodomizou a inocente memória de infância que gritava pela sua mãe e chorava copiosamente. Sem preparação, sem suavização. A pequena memória sentia-se rasgada em duas. O hálito a álcool de Padilha na sua cara e as dores que sentia fizeram-na desmaiar. Três horas de sodomização depois, por cima de uma memória inconsciente e ensanguentada, Padilha levanta-se e sai. Na rua espera-o um carro de vidros fumados. Aproxima-se. O vidro baixa e uma mão estendo um maço de notas de 100 dólares. Padilha chora enquanto aceita o dinheiro e de dentro do carro uma voz demoníaca diz “That’ll do, José. That’ll do!”
O flop, esse chavão que dita o destino de um filme nas mãos de um estúdio e da contabilidade matreira de Hollywood . Só pode ser considerado flop um filme com aspirações a world domination, actualmente um filme que custe pelo menos 100 milhões de dólares a produzir, distribuir e publicitar. Ora, um filme independente feito por amor à arte nunca é um flop, basta que apareça mais um ou duas pessoas do que mãe do realizador já é êxito transbordante. É um termo quase exclusivamente aplicável ao chamado blockbuster. No Verão de 2013 foi vê-los cair. Parecia a época de caça ás perdizes, nem tinham tempo de levantar voo, porque agora Hollywood define o flop em menos de 24 horas de exibição. Muitas são as vezes em que me meto a pensar de que alguns destes filmes podem ter êxito em circuitos diferentes daqui a 10, 20 ou 100 anos porque o tempo os ajuda a persistir. Os gostos mudam e, quiçá, uma inversão na evolução nos faça amar esta vasta parolice que Hollywood nos tenta enfiar pelas goelas abaixo todas as semanas. Isso aconteceu imensas vezes no passado e o que me traz aqui hoje é uma singela lista de 5 filmes que foram absolutamente humilhados na sua estreia e hoje em dia são filmes que considero obras superiores.
Até aos finais dos anos 90 os filmes de terror viviam essencialmente da criação de situações onde os protagonistas se viam isolados e de seguida, em filinha indiana, eram chacinados como cabritos em véspera de Ano Novo. Com a chegada das redes de telemóvel, que nos estados unidos foi uns aninhos mais tarde devido a questões de norma tecnológica, chegou também o pesadelo dos argumentistas. E agora? Seja qual for a situação de um filme dos últimos 50 anos, facilmente se resolveria com uma chamada para o 112 ou para um amigo. Este atalho narrativo por telemóvel não iria apenas resolver tramas em filmes de terror. Episódios de Seinfeld, filmes inteiros de Woody Allen e grande quantidade de cinema que lida narrativas que têm a génese em problemas de comunicação. É certo que o cinema (e Hollywood em particular) têm problemas em adaptar os guiões à evolução tecnológica, como é o caso da utilização de informática que raramente tem algum paralelo com a realidade. Por vezes existem até guiões que passam décadas inteira em development hell e quando estão prontos para a fase de produção vêem elementos chave serem ridicularizados por um salto tecnológico que apareceu entretanto. Como está a lidar a indústria do Horror Movie com esta alteração no tecido social?
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